quinta-feira, 9 de maio de 2024

Insuficiência Renal Crônica - atualização 2024 (KDIGO)

INTRODUÇÃO: 

Os últimos 10 anos trouxeram esperanças de melhoria no tratamento da Doença Renal Crônica (DRC). 



Uma maior compreensão do estilo de vida saudável juntamente com novos medicamentos e tecnologias fornecem melhores opções de tratamento e monitoramento da DRC. Pessoas com DRC, profissionais de saúde, e os sistemas de saúde estão ansiosos para implementar esses avanços de maneira mais eficaz e baseada em evidências. Isto exige a integração de novas terapias com gerenciamento do estilo de vida e medicamentos existentes usando abordagens que envolvam os pacientes e otimização da aplicação de recursos de saúde. A maioria das recomendações da ultima diretriz KDIGO, de 2012, foram atualizadas com base no conhecimento e na prática atuais. Apenas 6 afirmações foram mantidos em sua forma original em 2012. 

A definição, o estadiamento e a classificação da DRC propostos pela diretriz KDIGO 2012 têm sido amplamente aceita e implementada em todo o mundo. Desde então, a investigação destacou que estágios ou categorias específicas mais graves da DRC, caracterizadas pelo nível de TFG e albuminúria independentemente, pressagiam maior risco relativo (RR) para resultados adversos.

Estes incluem, mas não estão limitados a progressão da DRC, doença cardiovascular (DCV), mortalidade (todas as causas e doenças cardiovasculares), insuficiência renal e lesão renal aguda (LRA).
O desenvolvimento de ferramentas de previsão de risco aprimorou o monitoramento e o encaminhamento para o nefrologista ajudando a estimativa do prognóstico.
Vários desenvolvimentos interessantes foram introduzidos na prática clínica desde que a diretriz KDIGO 2012 CKD foi publicada. Estes incluem o refinamento da avaliação da TFG, previsão de risco populacional e individual, e novos tratamentos que influenciaram positivamente o prognóstico para pessoas com DRC. O Grupo de Trabalho teve como objetivo gerar um diretriz que é rigorosamente dedicada a novos e existentes evidências clinicamente úteis.



Definição e classificação da DRC

A DRC é definida como anomalias estruturais ou da função renal, presente há pelo menos 3 meses, com implicações para a saúde (Tabela 1).
A DRC é classificada com base na causa, TFG categoria (G1–G5) e categoria Albuminúria (A1–A3), abreviado como CGA.
Esses 3 componentes da classificação são críticos na avaliação de pessoas com DRC e ajudam a determinar a gravidade e risco. 

Listadas abaixo estão tabelas de referência que descrevem cada componente. Observe que embora a definição de DRC inclua muitos marcadores diferentes de danos renais e não é
confinado à diminuição da TFG e da relação albumina/creatinina (RAC) >30 mg/g [>3 mg/mmol], o sistema de classificação baseia-se nas 2 dimensões da TFG e no grau de albuminúria (Tabelas 2 e 3). Esta nuance é muitas vezes esquecida por profissionais de saúde e estudantes.

Tabela 1-Critérios para DRC (qualquer um dos seguintes presentes por um período mínimo de 3 meses)

Marcadores de dano renal (1 ou +)  Albuminúria (RAC>ou igual 30 mg/g [3 mg/mmol]
                                                                                 Anormalidades no sedimento urinário                                                                                                                 Hematúria persistente
                                         Eletrólitos e outras anormalidades devido a distúrbios tubulares
                                                                             Anormalidades detectadas por histologia
                                                                Anormalidades estruturais detectadas por imagem
                                                                                                 História do transplante renal
TFG reduzida TFG <60 ml/min por 1,73 m2 (categorias TFG G3a – G5)

RAC: relação albumina/creatinina; TFG: taxa de filtração glomerular

Muitos médicos preferem os critérios clinicamente mais úteis como a TFG em comparação com a Creatinina sérica (CrS) isoladamente. Globalmente, a CrS é medida rotineiramente e o mais comum é avaliar a CrS e a TFG através de uma equação de estimativa. 

Tabela 2 - Categorias de TFG na DRC TFG Categoria da TFG TFG (ml/min por 1,73 m2 ) Termos G1                                              > ou igual 90 Normal ou alto G2 60–89 Discretamente diminuído G3a 45–59 Diminuição leve a moderada G3b 30–44 Diminuição moderada a grave G4 15–29 Diminuição grave G5      <15 Insuficiência renal
Tabela 3 - Categorias de albuminúria na doença renal crônica
RAC (aproximadamente equivalente) Categoria TEA (mg/24 h) (mg/mMol) (mg/g) Termos A1 <30 <3 <30 Normal a leve A2 30–300 3–30 30–300 Aumento moderado A3 >300 >30 >300 Aumento acentuado                                                                                 TEA (taxa de excreção da albumina)

Atualmente, a conscientização sobre doenças renais permanece baixa e em todo o mundo, apenas 6% da população em geral e 10% da população de alto risco está ciente de seu status de DRC.

O uso de um algoritmo simples como o mostrado abaixo na atenção primária, cardiologia e endocrinologia poderia melhorar significativamente a identificação precoce e o tratamento da DRC:



Não há recomendações atuais em relação à frequência de triagem em pessoas com risco de DRC. No cenário do diabetes, um relatório da American Diabetes Association (ADA) e a KDIGO recomendam triagem anual de pessoas com diabetes para DRC. A triagem para DRC deve começar no diagnóstico de diabetes tipo 2 (DM2) porque a DRC muitas vezes já é aparente neste momento. Para o diabetes tipo 1 (DM1), o rastreamento é recomendado 5 anos após o diagnóstico.

O manejo de crianças e adolescentes com DRC precisa de consideração especial (Figura 4). Crianças e adultos têm diferentes etiologias da DRC. Até 40%–50% dos casos de DRC infantil é devido a anomalias congênitas dos rins e do trato urinário (CAKUT); quanto mais jovem for a população com DRC, maior será a proporção com CAKUT como causa. CAKUT é caracterizada por progressão mais lenta para insuficiência renal e maior probabilidade de poliúria do que as condições que causam DRC em adultos. 

Detecção da DRC:
  1. Testar pessoas em risco e com doença renal crônica (DRC) usando albuminúria e a avaliação da taxa de filtração glomerular.
  2. Após detecção acidental de relação albumina/creatinina urinária (ACR) elevada, hematúria, ou TFG baixa (TFGe), repetir os testes para confirmar a presença de DRC.
RECOMENDAÇÃO 1:
Em adultos com risco de DRC, recomendamos o uso da TFG estimada com base na creatinina. Se a cistatina C estiver disponível, a TFG deve ser estimada a partir da combinação de creatinina e cistatina C (1B).

A justificativa para se usar cistatina C versus CrS, ou uma combinação de ambos, nas equações da TFGe é que a creatinina é diretamente ligada à massa muscular, podendo ser enganoso em extremos do peso corporal, ou em condições específicas (lesões da medula espinhal e sarcopenia), e que a cistatina C é afetada por diferentes variáveis (uso de esteróides, doenças da tireoide e câncer).
Por isso, como nenhum deles é um marcador perfeito para estimar a depuração, a combinação dos 2 compostos dá mais estimativa precisa da TFG. 
Níveis muito baixos de CrS muitas vezes representam um mau estado de saúde, como fragilidade ou sarcopenia, que limita a produção de creatinina. 

Detecção da causa da DRC:




RECOMENDAÇÃO 2:
Sugerimos a realização de uma biópsia renal como um teste diagnóstico aceitável e seguro para avaliar a causa e orientar as decisões de tratamento quando clinicamente apropriado (2D).
Usar creatinina sérica (CrS) e uma equação de estimativa para avaliação inicial da TFG.

RECOMENDAÇÃO 3:
Recomendamos o uso da eGFRcr-cys em situações clínicas quando a eGFRcr é menos precisa e a TFG afeta a tomada de decisões clínicas.
A interpretação do nível de CrS requer consideração da ingestão alimentar.


Considere o uso da TFG estimada baseada na cistatina C (eGFRcys) em alguns casos específicos.


RECOMENDAÇÃO 4
Sugerimos manter uma ingestão proteica de 0,8 g/kg de peso corporal/dia em adultos com DRC G3–G5 (2C).
*Evitar ingestão elevada de proteínas (>1,3 g/kg de peso corporal/dia) em adultos com DRC em risco de progressão.
*Em adultos com DRC que desejam, são capazes, e que estão em risco de insuficiência renal, prescrever, sob supervisão rigorosa, uma dieta com muito baixo teor de proteínas (0,3–0,4 g/kg de peso corporal/dia) suplementada com aminoácidos essenciais ou cetoácidos.


*Não prescreva dietas com baixo ou muito baixo teor de proteínas em pessoas com DRC metabolicamente instáveis.
*Não restringir a ingestão de proteínas em crianças com DRC devido ao risco de comprometimento do crescimento. A ingestão alvo de proteína e energia em crianças com DRC G2-G5 deve estar no limite superior da normalidade para crianças saudáveis de forma a promover um crescimento ideal.
*Em idosos com fragilidade e sarcopenia, considerar níveis elevados de proteínas e metas calóricas.

RECOMENDAÇÃO 5:
Sugerimos que a ingestão de sódio seja <2 g de sódio por dia (ou <90 mMol de sódio
por dia, ou <5 g de cloreto de sódio por dia) em pessoas com DRC (2C).
*A restrição dietética de sódio geralmente não é apropriada para pacientes com nefropatia perdedora de sódio.

RECOMENDAÇÃO 6:
*Iniciar com inibidores do sistema renina-angiotensina [IECA] ou com bloqueador do receptor da angiotensina II [BRA]) para pessoas com DRC e albuminúria gravemente aumentada (G1-G4, A3) sem diabetes (1B).
*Iniciar IECA ou BRA para pessoas com DRC e albuminúria moderada a grave (G1-G4, A2 e A3) com diabetes (1B).
*Evitar qualquer combinação de IECA, BRA e inibidor direto da renina (DRI) em pessoas com DRC, com ou sem diabetes (1B).
*Os RASi (IECA ou BRA) devem ser administrados usando a dose mais alta tolerada que alcançe os benefícios descritos porque os benefícios comprovados foram alcançados em ensaios utilizando estas doses.
*As alterações na PA, na creatinina sérica e no potássio sérico devem ser verificadas dentro de 2 a 4 semanas após início ou aumento da dose de um RASi, dependendo da TFG atual e do potássio sérico.
*A hipercalemia associada ao uso de RASi pode muitas vezes ser controlada por medidas para reduzir a concentração sérica dos níveis de potássio em vez de diminuir a dose ou interromper o RASi.
*Continuar a terapia com IECA ou BRA, a menos que a creatinina sérica aumente mais de 30% em 4 semanas após início do tratamento ou aumento da dose.
*Considere reduzir a dose ou descontinuar os IECA ou BRA no caso de hipotensão sintomática ou hipercalemia não controlada apesar do tratamento médico, ou para reduzir os sintomas urêmicos durante o tratamento da insuficiência renal (taxa de filtração glomerular estimada [TFGe] <15 ml/min por 1,73 m2).
*Iniciar na DRC com albuminúria (A1) normal a levemente aumentada com RASi (ACEi ou BRA) ema indicações específicas (por exemplo, para tratar hipertensão ou insuficiência cardíaca com baixa fração de ejeção).
*Continuar IECA ou BRA em pessoas com DRC mesmo quando a TFGe cai abaixo de 30 ml/min por 1,73 m2.

RECOMENDAÇÃO 7:
Recomendamos o tratamento de pacientes com diabetes tipo 2 (DT2), DRC e TFGe > ou igual 20 ml/min por 1,73 m2 com um SGLT2i (1A).
*Uma vez iniciado um SGLT2i, é razoável continuar com um SGLT2i mesmo que a TFGe caia abaixo 20 ml/min por 1,73 m2 , a menos que não seja tolerado ou seja iniciado a TRS.
*É razoável suspender o SGLT2i durante jejum prolongado, cirurgia ou cuidados médicos críticos (quando as pessoas podem estar em maior risco de cetose).

RECOMENDAÇÃO 8:
Recomendamos um antagonista do receptor mineralocorticoide (ARM) não esteroidal com comprovada eficácia renal ou benefício cardiovascular para adultos com DM2, TFGe >25 ml/min por 1,73 m2, concentração sérica normal de potássio e albuminúria (>30 mg/g [>3 mg/mmol]) apesar da dose máxima tolerada de inibidor de RAS (RASi) (2A).

*Um ARM não esteroidal pode ser adicionado a um RASi e um SGLT2i para tratamento de DM2 e DRC em adultos. Ex: Firialta 20 mg
*Para mitigar o risco de hipercalemia, selecione pessoas com concentração sérica de potássio consistentemente normal e monitore o potássio sérico regularmente após o início de uma ARM não esteróide.

RECOMENDAÇÃO 9:
Recomendamos um análogo do GLP-1 de ação prolongada, em adultos com DM2 e DRC que não atingiram metas glicêmicas individualizadas apesar do uso de tratamento com metformina e inibidor de SGLT2, ou que não conseguem usar esses medicamentos (1B).

RECOMENDAÇÃO 10:
Recomendamos o uso de anticoagulantes orais não antagonistas da vitamina K (NOACs) em
preferência aos antagonistas da vitamina K (por exemplo, varfarina) para tromboprofilaxia em pacientes com fibrilação atrial e com DRC G1–G4 (1C).
*É necessário ajuste de dose de NOAC pela TFG, com cautela necessária na DRC G4–G5.
*A duração da descontinuação do NOAC antes dos procedimentos eletivos precisa considerar o risco de sangramento do procedimento, NOAC prescrito e nível de TFG (Figura 44):
RECOMENDAÇÃO 11:
Timing para o início da diálise
*Iniciar a diálise se for evidente a presença de uma ou mais das seguintes situações (Tabela 41). Isto ocorre frequentemente, mas não invariavelmente, na faixa de TFG entre 5 e 10 ml/min por 1,73 m2:
  • Sintomas ou sinais atribuíveis à insuficiência renal (por exemplo, sinais e sintomas neurológicos atribuíveis à uremia, pericardite, anorexia, resistência medicamentosa
  • anormalidades do equilíbrio ácidas ou eletrolíticas, prurido intratável e serosites
  • Incapacidade de controlar o status do volume ou a pressão arterial
  • Deterioração progressiva do estado nutricional refratário à intervenção dietética ou comprometimento cognitivo.
*Considere o transplante renal preventivo e/ou o acesso à diálise em adultos quando a TFG é <15–20 ml/min por 1,73 m2 ou o risco de TRS é >40% ao longo de 2 anos.

RECOMENDAÇÃO 12:
Orientação para seleção de exames complementares para avaliação da causa da DRC
*Testes genéticos:  APOL1, COL4A3, COL4A4, COL4A5, NPHS1, UMOD, HNF1B, PKD1, PKD2.
*Esses testes têm evoluído como ferramenta de diagnóstico, esperando-se maior utilização. Há o reconhecimento de que as causas genéticas são mais comuns e podem apresentar-se sem histórico familiar clássico.

FONTE: 

1. Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) CKD Work Group. KDIGO 2024 Clinical Practice Guideline for the Evaluation and Management of Chronic Kidney Disease. Kidney Int. 2024;105(4S): S117–S314.

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