Claudio L. Barbosa
Médico Católico e Nutrólogo. RQE 22.871
CRM 27.104
Mestre pela FAMERP-SP
1. Resumo:
Existiram, na idade média, Santas católicas que jejuavam frequentemente.
A literatura especializada tem, invariavelmente, um viés crítico, como se elas
padecessem de uma psicopatologia. Esse artigo faz um contraponto a essa visão, baseado
na Teologia, na Doutrina Católica e na Nutrologia.
2.
Definição de Anorexia Nervosa:
A Anorexia
nervosa, com uma prevalência de 0,4–4,3% em mulheres jovens no mundo
ocidental moderno, é tipicamente caracterizada
por uma distorção da imagem corporal, pelo desejo de ser magro e a
sensação de estar acima do peso apesar de uma óbvia condição de baixo
peso. Metanálise recente demonstrou que os transtornos de conduta alimentar
vêm apresentando alta prevalência, maior nas mulheres, ao redor do mundo
[29].
As causas
prováveis são uma combinação de determinações genéticas e
sociais/psicológicas determinantes [11].
2.1 Critérios diagnósticos da AN, segundo a American Psychiatric Association (DSM-5) [6]:
A. Restrição da ingestão energética em relação às necessidades, levando
a uma massa corporal significativamente baixa no contexto da idade,
gênero, trajetória do desenvolvimento e saúde física. Massa corporal
significativamente baixa é definida como uma massa corporal inferior
à massa corporal mínima normal ou, no caso de crianças e adolescentes,
menor do que o minimamente esperado.
B. Medo intenso de ganhar massa corporal ou de engordar,
ou comportamento persistente que interfere no ganho de
massa corporal, mesmo estando com massa corporal significativamente
baixa.
C. Perturbação no modo como a própria massa corporal ou
forma corporal são vivenciados, influência indevida da massa corporal
ou da forma corporal na autoavaliação ou ausência persistente de
reconhecimento da gravidade da baixa massa corporal atual.
Tipos:
1. Tipo restritivo: durante os últimos três meses o indivíduo não se
envolveu em episódios recorrentes de compulsão alimentar ou comportamento
purgativo (i. e., vômitos autoinduzidos ou uso indevido de laxantes,
diuréticos ou enemas). Este subtipo descreve apresentações nas quais
a perda de massa corporal é conseguida principalmente
por meio de dieta, jejum e/ou exercício excessivo.
2. Tipo de compulsão alimentar purgativa: nos últimos três meses o
indivíduo se envolveu em episódios recorrentes de compulsão alimentar
purgativa (i. e., vômitos autoinduzidos ou uso indevido de laxantes,
diuréticos ou enemas).
A AN, em se tratando de uma patologia que pode
trazer risco de vida, deve ser tratada. Interessante que, sendo uma desordem
eminentemente mental, nenhuma
droga ou intervenção lógica provou ser especificamente benéfica, mas as
comorbidades como a Depressão e a Ansiedade devem ser tratadas [16]. O ganho de
peso deve ser realizado gradualmente com uma meta de 250 g a 500 g por semana,
ou seja, lentamente, para evitar complicações da Síndrome de Realimentação
(retenção de líquidos, insuficiência cardíaca congestiva, dilatação gástrica
aguda, alterações eletrolíticas). A maioria dos indivíduos são capazes de
alcançar a remissão da doença dentro de 5 anos do diagnóstico inicial. O
prognóstico da anorexia nervosa é variável, com alguns indivíduos
recuperando-se após um único episódio, enquanto outros apresentam episódios
recorrentes ou curso crônico. A mortalidade não tratada é de 5,1/1.000
anualmente, a mais alta entre as condições psiquiátricas. A bulimia nervosa tem
um resultado mais benigno, mas 10–15% farão a transição para a anorexia.
3. Anorexia das Santas Católicas
segundo a Ciência:
A existência de transtornos
alimentares em outras culturas e séculos passados é de grande interesse
psicopatológico, na medida em que coloca no centro da discussão a questão do
patogenético e do patoplástico em psiquiatria e que torna relativa a influência
da modernidade, muitas vezes colocada como fator causal principal e por vezes
único.
O estudo que Rudolph Bell (1985) desenvolveu
sobre a vida de mais de 250 mulheres italianas santas e beatas da Igreja
Católica, utilizando-se de escritos autobiográficos, cartas, testemunhos de confessores
e relatos canônicos, oferece um bom campo de discussão [7]. O jejum
auto-imposto não necessariamente significa um transtorno alimentar. Sabe-se que
vários povos da Antiguidade incentivavam o jejum voluntário como prática
religiosa e viam na abstinência alimentar uma forma de purificação.
Vandereycken (1994), por exemplo, reporta que, no Egito Antigo, quem quisesse
ser iniciado nos mistérios de Isis e Osiris deveria ficar entre sete e 40 dias
sem comer. [8] Entre gregos e romanos, jejuava-se antes de se consultar os
oráculos, e profetas do Velho Testamento jejuavam como preparação para
experiências religiosas e revelações divinas. No entanto, chama a atenção o
fato de a própria Igreja Católica, que em seus inícios também pregava o jejum,
preocupar-se com a exagerada abstinência alimentar praticada nos mosteiros, a
ponto de restringir a canonização de santas jejuadoras.
Bynum (1987), analisando o contexto
cultural da comida na Idade Média, argumenta que a ascese era uma das únicas
formas de superação ou elevação espiritual da mulher, num contexto teológico em
que a mulher estava para o homem assim como a carne ou corpo estão para o
espírito ou alma [9]. Assim, as mulheres mais frágeis, mais predispostas
ao pecado, menos racionais poderiam encontrar o caminho de Cristo unicamente na
eucaristia ou se autoflagelando até à submissão e ao abandono do corpo.

Figura 1: Santa Maria Madalena de Pazzi (1.566-1.607)
Uma das supostas "santas anoréxicas"
foi a italiana Maria Madalena de Pazzi (figura 1), nascida em Florença em 2 de
abril de 1566. A escolha por Madalena de Pazzi do nome eclesiástico
Maria Madalena, prostituta convertida na história cristã, desagradou a
aristocrática família de Caterina, que lhe havia dado esse nome para homenagear
Santa Catarina de Siena [10] (figura 2).
Em 1585, quando ainda não completara 20 anos
de idade, e dizendo-se orientada por Deus, passa a restringir sua dieta a pão e
água, exceto aos domingos, quando comia, sempre em pouca quantidade, apenas
alguns restos de alimentos deixados na refeição pelas outras irmãs.
Essa jovem sofreu contínuas doenças, mas se dizia feliz em sofrer por
Cristo: "Pati, non mori" ("padecer, Senhor, e não
morrer"). Entretanto, alguns aspectos familiares descritos nas
pacientes anoréxicas têm grande interesse psicanalítico. Maria Madalena foi
filha única, perfeccionista ao extremo e conhecida como cumpridora de regras.
Este, inclusive, foi o motivo que a levou a escolher o Convento das Carmelitas,
onde as regras eram extremamente rígidas. Descrita como uma criança determinada
e sempre elogiada por sua obediência (desde que as coisas seguissem do seu
jeito), recorria a crises de choro e caía doente quando impedida de seguir sua
vontade. Sua mãe, como a de Caterina de Siena, era bastante autoritária, e foi
com ela que Maria Madalena travou grandes batalhas até entrar para o convento e
de cuja autoridade não se livrou de todo, uma vez que se deparou com Vangelista
del Giocondo, uma severa e intransigente madre superiora que viria a exercer
grande influência sobre ela.
Curiosamente, a adoção do nome Maria Madalena
foi também uma escolha influenciada pelos escritos de Catarina de Sena, que
cita Maria Madalena como um modelo para si mesma, porque, após a morte de
Cristo, ela teria jejuado por 33 anos seguidos. Assim, não parece haver dúvida
de que Maria Madalena de Pazzi leu os escritos de Catarina de Sena (outra
suposta "santa anoréxica") e foi profundamente influenciada pelas
ideias de ascese dessa Santa, considerada Doutora da Igreja. A vida de Catarina
de Sena foi caracterizada por uma forma extrema de jejum, sua
dieta sendo restrita apenas a água diluída com vinho e vegetais, um regime
de fome auto-induzida que pode muito bem ter desempenhado um papel
importante em sua morte ainda com 33 anos [11]. Motivada por profundas
crenças religiosas, sua condição foi classificada como anorexia
mirabilis ou o termo inglês holy anorexic (também
conhecida como inédia prodigiosa), diagnóstico retrospectivo para o qual
convergiram vários autores, independentemente da etiologia.
A anorexia nervosa parece ter sido conhecida desde
a Idade Média, mas uma distinção absolutamente confiante da anorexia
mirabilis é difícil para este período histórico [12]. Embora a anorexia
mirabilis não seja mais diagnosticada nos tempos modernos, a anorexia
nervosa tem sido cada vez mais diagnosticada ao longo do século XX. No entanto,
ainda não está claro se isso se deve a um aumento na prevalência ou um aumento
na conscientização entre os profissionais de saúde. Além disso, relatos
anedóticos de anorexia nervosa com forte conotação religiosa - mostrando assim
uma certa sobreposição com anorexia mirabilis - pode ser
encontrada na literatura psiquiátrica especializada [13].
Nas descrições patobiográficas de Santa Catarina, a
sintomatologia coletada por seus biógrafos, um elemento observado por Raymond
de Cápua (1330-1390 DC) destaca-se: a sua abstinência da comida tinha sido
extrema e que tinha o hábito de ingerir alimentos amargos e bebidas insípidas [amaros
cibos et potus insipidos]. Descreve-se que os alimentos doces se tornaram
totalmente inimigos dela [cuncta dulcia nociva suo corpori], e que
Catarina sofria muito ao comê-los [14]. Do ponto de vista estritamente
neurofisiológico, vale ressaltar que os canais do TRP (Receptor Transiente
Potential), especialmente o TRPV1 e o TRPM8, desempenham um papel tanto no
paladar, na percepção da dor e na modulação do gasto energético [15]. Alguns
defeitos no funcionamento desses canais podem explicar pelo menos parte dos
sintomas encontrado nos casos antigos. Indivíduos com anorexia nervosa
apresentam maior sensibilidade à repulsa pela comida em comparação com
pacientes controle. Foi sugerido que a repulsa pode ter origem como um
mecanismo de defesa contra a ingestão de alimentos contaminados ou alimentos
venenosos.
Outros casos mais antigos de santas anoréxicas
podem ser encontrados na literatura medieval, principalmente o de Santa Clara
de Assis (1194–1253 DC) (figura 3). Embora o espectro sintomatológico se
assemelhe ao de Santa Catarina, levando a uma retrospectiva comum para o
diagnóstico de anorexia mirabilis (ou o termo inglês holy
anorexic), uma indicação clara de disgeusia não pode ser identificada com
segurança nesse caso. O caso de Santa Catarina de Sena pode assim ser
considerado uma das mais antigas descrições verdadeiras de disgeusia. Além
disso, por conta disso, uma semelhança paleoneurofisiológica convincente entre
a anorexia mirabilis e a anorexia nervosa pode ser
proposta.
Interpretações à parte, o clínico, tomando por
base a perda de peso auto-induzida, a resistência em comer contra todos os
argumentos lógicos e evidências de riscos físicos, os episódios bulímicos e o
comportamento purgativo, não relutaria em dar o diagnóstico de anorexia nervosa
subtipo purgativo [10].
Figura 2: Santa Catarina de Sena
(1.347-1.380)
4. Fundamento Histórico Medicinal do Jejum:
O costume de jejuar está difundido entre vários
tipos e estágios de civilizações com propósitos variados. Pode ser um ato
de penitência ou de propiciação; um rito preparatório antes de algum ato de
alimentação sacramental ou iniciação; uma cerimônia de luto; um de uma série de
ritos de purificação; um meio de induzir sonhos e visões; um método de
adicionar força aos ritos mágicos [1].
Em 2010, este autor publicou, sob a chancela da sociedade de
especialidade dos médicos Nutrólogos no Brasil, a Associação Brasileira de
Nutrologia (ABRAN), o Protocolo ABRAN I de Aplicação de Dietas de Muito
Pouco Valor Calórico [2]. Tratou-se de extensa revisão bibliográfica acerca dos
“jejuns medicinais” ao redor do mundo, especialmente na Europa, onde tal
prática é centenária. O Jejum é praticado na Europa e Ásia há décadas, mas seu
interesse na América literalmente “explodiu” especialmente nos últimos anos
[3], notadamente após o biólogo japonês Yoshinori Ohsumi ser laureado com o
prêmio Nobel de Medicina em 2016. Ohsumi comprovou que a restrição calórica
drástica, “o jejum”, estimula o processo de autofagia, mecanismo pelo qual as
células se auto-degradam permitindo uma renovação das mesmas e contribuindo
para a longevidade do organismo [4].
“Jejuar” faz parte da tradição de muitas religiões e povos e ainda hoje
encontramos seus adeptos e praticantes. Nas “Clínicas de Jejum” – ou de
Dietética Intensiva–pessoas se internam para a restrição calórica drástica (de
400 a 800 calorias por dia) [2]. O fundamento histórico-medicinal dessa
terapia, a qual hoje denominamos como “Dietética Intensiva”, é tão vasto que
apontamos aqui somente alguns pontos essenciais. O conhecimento da humanidade
acerca de uma dieta severa temporária e de um “jejum terapêutico”, capaz de
renovar corpo e alma, vem de longa data [5].
Podemos achá-lo nas prescrições cultuais de inumeráveis povos, em todos
os tempos e em todas as religiões. Nas diversas prescrições de jejum tratava-se
tanto da purificação corporal, da libertação de doenças, como também da
purificação interior, renovação espiritual e da re-ligação (religião) ao divino
(transcendente). Já nas Escrituras Vedas (Índia), um dos textos mais antigos da
humanidade (uns 10.000 anos a.C.), encontramos relatos correspondentes.
Conhecemos acerca dos 40 dias dejejum de Moisés no monte Horeb, do profeta
Elias e de Cristo no deserto, do jejum de 50 dias de Buda (563-483 a.C.) e de
Maomé (570-632 d.C.). Para os maometanos ainda hoje vale a santificação do mês
jejunal Ramadã e uma severa norma dietética durante peregrinações de ida e volta
à Meca. Um ditado nos países islâmicos diz: “O que o médico não consegue curar
será curado no Ramadã”.
Na Antiguidade, os germanos mantinham um dia de jejum por semana; os
persas e espartanos zelavam pelo jejum dos guerreiros e os egípcios, segundo
Heródoto, purgavam o corpo pelo jejum. Para os indianos, dietas severas eram
costume natural e ainda hoje fazem parte integral do Hinduísmo. Mahatma Gandhi
(1868-1948) praticava jejuns frequentes e extremamente demorados, usando-os
também como pressão política contra a força colonial britânica. Ele declarou
várias vezes que o mais importante durante o jejum é uma atitude espiritual
adequada, pois sem isso se consegue apenas uma purificação corporal, mas não a
mais importante, a espiritual [2].
5. Benefícios do Jejum:
1. Rejuvenescimento - o envelhecimento pode ser
impulsionado por uma remodelação epigenômica extensa, que por sua vez pode
promover o desenvolvimento de doenças associadas à idade. Como as
modificações epigenéticas podem ser modificáveis por mudanças ambientais e
exibem imensa plasticidade, elas podem ser usadas para transduzir sinais
externos e regular o envelhecimento através da regulação de genes. Tem
sido amplamente divulgado que a RC pode promover alterações na expressão gênica
e atenuar alterações associadas à idade em muitos organismos [17].
2. Risco Cardiovascular - a Avaliação Abrangente
dos Efeitos a Longo Prazo da Redução da Ingestão de Energia ou Estudo CALERIE,
estudo randomizado com 220 adultos sem obesidade, com idades entre 21 e 50
anos, reduzindo sua ingestão diária de calorias em 25% – sem faltarem
nutrientes essenciais – ou, no outro grupo, comendo o que queriam, por 2 anos
[18. 70% dos participantes da CALERIE eram mulheres, e estavam magras ou
um pouco acima do peso no início do estudo. Aqueles no grupo de restrição
calórica não atingiram seu objetivo de cortar calorias em 25%. Em média, eles
nem chegaram à metade do caminho, reduzindo a ingestão de calorias em cerca de
12%. Mesmo assim, os pesquisadores [19] da CALERIE relataram em 2019 que a
restrição calórica melhorou significativamente vários fatores de risco
cardiometabólicos, incluindo níveis de colesterol, pressão arterial, proteína
C-reativa e tolerância à glicose.
3. Outras doenças: estudos pré-clínicos e ensaios clínicos
mostraram que o jejum intermitente apresenta benefícios de amplo espectro para
muitas condições de saúde, como obesidade, diabetes mellitus, doenças
cardiovasculares, cânceres e distúrbios neurológicos [20]. O jejum tem efeitos
nos níveis biológico e espiritual, atuando como uma ferramenta de intervenção,
prevenção e tratamento de doenças crônicas não transmissíveis e está se
tornando cada vez mais popular. Níveis crescente de evidências científicas
demonstraram os efeitos benéficos do jejum na saúde humana [47]. Ao
aumentar a expressão do mRNA da SIRT1 e XPA, a redução de calorias na forma do
jejum segundo F. X. Mayr poderia contribuir para um envelhecimento mais
saudável [50].
O interesse pela aplicação medicinal das várias formas de Jejum
medicinal ampliou-se tanto, recentemente, que os especialistas têm defendido
que até mesmo os alunos de Medicina devem
conhecer o básico de quanto o jejum afeta o metabolismo e de como as células e
órgãos respondem adaptativamente a este. Precisam conhecer as principais
indicações para o jejum intermitente (obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares
e cânceres) e como implementar prescrições de jejum intermitente para maximizar
seus benefícios a longo prazo. Os médicos podem incorporar prescrições de jejum
intermitente para intervenção precoce em pacientes com uma variedade de
condições crônicas ou em risco para tais condições, particularmente aquelas
associadas a comer demais e sedentarismo [48].
6. E o Jejum chega as
UTIs:
Para muitos profissionais encarregados do cuidado
ao paciente, a sua recusa em se alimentar ou mesmo comer muito pouco, na doença
aguda, é angustiante. O problema é que, em parte, isso é fisiológico, fato
conhecido como a anorexia da doença aguda [30]. De fato, os
animais selvagens, quando adoecidos, não comem, mas jejuam, e mascam ervas
medicinais.
Para combater o catabolismo da doença crítica, a Terapia
Nutricional (TN) tem sido preconizada, uma vez que a subalimentação
prolongada pode contribuir para o catabolismo [31]. Numerosos estudos
observacionais associaram o aumento da ingestão nutricional com a melhoria do
desfecho de pacientes gravemente enfermos [32,33]. No entanto, uma relação
causal não pode observada, uma vez que a tolerância alimentar se associa
intimamente à gravidade da doença, como em geral uma melhor tolerância
alimentar ocorra em pacientes menos doentes.
Como demonstrado em uma metanálise recente, nenhum
ECR em pacientes criticamente enfermos encontrou benefício da TN precoce plena,
em comparação com restrição calórica [34]. Com base nestas recentes evidências
de alto nível, as mais recentes diretrizes européias de TN em pacientes
críticos mudaram da promoção da alimentação completa precoce para uma
alimentação artificial menos generosa na primeira semana da doença crítica
[35].
A falta de benefício da TN precoce plena nos ECRs
pode ser explicada por uma supressão contínua da resposta de jejum. Embora o
jejum tenha sido tradicionalmente considerado um processo negativo em doenças
críticas [35]: Guideline europeu de NP em pacientes críticos 2009, uma dieta
normal envolve alteração dos períodos de alimentação com intervalos de jejum, e
ao jejum foram atribuídos efeitos na promoção da saúde.
Evidências recentes sugerem que a falta de
benefício da alimentação completa precoce em grandes ensaios de UTI pode ser
explicada pelo método de fornecimento de nutrição artificial (ou seja,
continuamente). Realmente intervalos alternados de alimentação/jejum podem ser
superiores em comparação com a oferta energética contínua – aplicada na maioria
dos ECRs [36]. Potenciais mecanismos protetores da alimentação
intermitente incluem a ativação intermitente da resposta ao jejum, que pode
promover recuperação celular via estimulação da autofagia e cetogênese [37,38].
De fato, as dietas que induzem uma resposta
prolongada ao jejum, como dietas que imitam o jejum ou dietas com restrição
calórica, são protetoras contra doenças relacionadas à idade, aumentam a
longevidade em modelos animais e melhoram os fatores de risco de doenças
relacionadas à idade em humanos [39,40].
Isso sugere que as vias ativadas pelo jejum são
importantes para manter a integridade e a função celular normal. Em grandes
ECRs de TN em pacientes críticos, no entanto, a alimentação artificial sempre
foi fornecida de maneira contínua [41-45], suprimindo continuamente qualquer
resposta do jejum.
Parte dos efeitos benéficos do jejum na saúde
normal são mediados pela ativação da macroautofagia [39]. A
macroautofagia, doravante referida como autofagia, é um processo celular pelo
qual o conteúdo citoplasmático é digerido no lisossomo após sua entrega ao
lisossomo em uma vesícula intermediária chamada autofagossomo [39].
7. O sofrimento segundo os
pensadores clássicos:
Cuidar dos que sofrem, especialmente os mais
fragilizados e incapazes, aparece na história com o Cristianismo [21]. A ideia
de ter compaixão com os estranhos, na idade antiga, é estranha e não apenas
estranha mas para muitos, indecente, como os teóricos e filósofos do paganismo.
Platão, em sua obra A República diz: "A Medicina e a
jurisprudência cuidarão apenas dos cidadãos bem formados de corpo e alma,
deixando morrer os que forem corporalmente defeituosos". Seneca diz:
"Nós sufocamos os pequenos monstros, afogamos até mesmo as crianças quando
nascem defeituosas e anormais. Não é a cólera e sim a razão que nos convida a
separar os elementos sãos dos elementos nocivos". A ideia de que
elementos fracos, débeis, idosos, de alguma maneira adoentados poderiam ser
sacrificados em prol da saúde da "polis", da coletividade era
onipresente inclusive em civilizações indígenas, isoladas. A visão cristã
antisacrificial da vida trouxe um conceito aos pensadores pagãos de que seria
uma religião débil, enfraquecendo o estado e, por isso, muitos responsabilizaram
os cristãos pela queda do Império Romano.
A primeira premissa pagã de que a vida
humana não é sagrada baseia-se no conceito de que o sofrimento seria totalmente
imanente e quase antinatural como se, ao sofrermos, a vida perdesse totalmente
o seu sentido: o sentido imanente e não transcendente do sofrimento. Como se o estado
natural da vida humana fosse a ausência do sofrimento. Toda a ideia que o
sofrimento e o sacrifício tenham um sentido transcendente e possa significar
redenção é ausente neste tipo de pensamento. A segunda premissa
seria a ideia de que a vida seria quase um acidente natural e que se encerra
absolutamente com a extinção da matéria, com a morte física. Isso, é claro,
contraria totalmente a escatologia cristã e as implicações antropológicas do
cristianismo. Disse a filósofa Simone Weil (1909-1943): "Eu não sou
católica, porém considero os princípios cristãos como algo que a pessoa não
pode renunciar sem se aviltar".
As santas católicas jejuavam,
sacrificando-se. Isso seria então um absurdo, desnecessário segundo o
pensamento pagão e pós moderno. Essa ideia de que o sacrifício pode ser
falado de forma totalmente banalizada vem desde muito tempo, mesmo antes da era
cristã.
Figura 3:
Santa Clara de Assis (1.194-1.253 DC)
Na obra Diálogo de Górgias (22),
de Platão, temos a discussão de Sócrates com o sofista Cálicles: "o certo
era o bem sucedido", segundo este último. Num dos trechos do diálogo,
Cálicles diz que "a própria natureza se incumbe de provar que é justo ter
mais o indivíduo de maior nobreza do que o vilão e o mais forte do que o mais
fraco. Com abundância de exemplos, a natureza mostra que as coisas se passam desse
modo e que tanto entre os animais e entre os homens, nas cidades e em todas as
raças, manda a justiça que os mais fortes dominem os inferiores e tenham mais
do que eles", como se fosse um contínuo entre os seres humanos e os
animais e que o homem não seria um ser criado por transcendência divina.
Observe-se que isso foi escrito
há mais de 4.000 anos atrás prefigurando a ideia da moralidade materialista dos
tempos modernos que condenaria uma freira que se sacrifique e se contenha por
amor do Reino de Deus, sendo casta e jejuando.
Sócrates então contrapõe
Cálicles defendendo que cada homem comandar a si próprio e ter auto controle.
Cálicles responde com ironia, fazendo elogio da intemperança e o livre
exercício das paixões:
_"Como você é engraçadinho,
Sócrates. Aos simplórios é que dá o nome de temperantes? O belo e justo por
natureza, digo sem o menor constrangimento que, quem quiser viver de verdade,
longe de reprimir os apetites, terá que permitir que se expandam o quanto
possível e quando se encontrarem no auge ser capaz de alimentá-los com denodo e
inteligência e de satisfazer a todos eles na medida em que forem se
manifestando". Ele, antecipa, assim, o conceito da tibieza do cristianismo
que, obviamente ainda não existia nessa época. E Cálicles continua:
_"Mas isso, justamente como
penso, não é para todos. Eis porque a maioria dos homens censura as pessoas
capazes de viver assim, por se envergonharem da própria debilidade que procuram
esconder e qualificam de feia a intemperança. O certo, Sócrates, é que a
verdade que tu presumes procurar é simplesmente isso: o luxo, a intemperança e
a liberdade que, quando devidamente amparados, é o que constituem o certo, a
virtude e a felicidade. Tudo o mais, todos esses enfeites e convenções
contrárias a natureza não passam de palavrórios sem valor. Sócrates então
questiona que não pode ser apenas o poder que arbitra a moralidade e a justiça.
Cálicles argumenta:
_"Agora mesmo se alguém te
detivesse ou a algum dos seus e te metesse na prisão sob o pretexto de algum
crime que não houvésseis cometido terias que confessar que não saberíeis como
reagir, mas ficaríeis com vertigens e de boca aberta sem achares o que dizer no
instante de te apresentares ao tribunal. E por mais insignificante e
desprezível fosse o teu acusador virias a perder a vida se lhe aprouvesse pedir
a pena capital. Ora, que sabedoria pode haver numa arte, Sócrates, que se
apodera de um indivíduo bem dotado e o deixa inferior, incapaz não só de
defender-se e de livrar-se a si mesmo de perigos como a qualquer outra pessoa.
Um indivíduo, nessas condições, se me permite uma expressão um tanto grosseira,
é lícito esbofeteá-lo impunemente. Por isso, atende-me, caro amigo. Pare com
estas demonstrações e cultiva a bela ciência da vida prática para adquirires
reputações de sábio deixando aos outros essas sutilezas que mereçam ser
chamadas tolices. Sócrates encerra o Diálogo com o Mito grego do
Julgamento dos Mortos:
_"Quando chegares a frente
do teu juiz, ó filho de Egina, e ele puser a mão em ti e o levares para o
julgamento, ficarás de boca aberta e com vertigens tal como eu aqui, sendo
possível mesmo que alguém o esbofeteie ignominiosamente e te infrinja toda a
sorte de ultrajes. Aceita, portanto o meu conselho e acompanha-me para onde,
uma vez chegado, serás feliz, assim na vida como na morte conforme nosso
ordenamento o certifica. Aceitemos essa norma da vida e exultemos os outros a
fazer o mesmo. Não aquela em que confias e me aconselhas a seguir. Pois essa
sua proposta, Cálicles, carece de valor".
A pergunta inicial, centro deste
diálogo, era a pergunta tácita: O que é pior? Você cometer ou sofrer injustiça?
Para Cálicles o pior seria sofrer injustiça, ou seja, não importando os meios,
o bom era se dar bem. Já, Sócrates, argumenta que sofrendo injustiça, isso
poderia ser sublimado, mas cometendo-a ter-se-ia uma paga no juízo final. Com
isso Sócrates nos exorta, já naquela época, a seguirmos uma lógica sacrifical
que com o Cristianismo tem o seu ápice na crucifixação de Jesus. Esse diálogo
diz muito de vários dilemas contemporâneos. Esse diálogo noz faz lembrar do
deboche dos soldados romanos: 'Salvou a tantos. Salva-te agora e desces da
cruz". Como Cristo, Sócrates resiste a esta tentação diabólica de reagir
com a mesma lógica que com a sofrimento a ele infligido, com a lógica terrena
do poder.
Se avaliamos os pensadores
modernos, pelo menos em Machiavel, temos que essa defesa do sacrifício e a
noção de que o catolicismo é uma religião débil, que causa fraqueza na
sociedade, nos traz a Rousseau que dizia que o maior problema do Cristianismo
era ser, antes de tudo, antisocial [23].
Para que de fato vigore a
religião civil como uma religião estatal, Rousseau critica outras religiões mas,
sobretudo, a sua crítica se concentra no Cristianismo que aos seus olhos, não
possui base de uma religião nacional. Na sua opinião, os cristãos se preocupam
somente com a pátria celeste, com a vida futura, esquecendo-se de viver a
pátria terrestre pois “o essencial é atingir o paraíso [...]” (Rousseau, 2013,
p. 222). Por conseguinte, o Cristianismo seria uma religião que leva o homem a
amar o céu deixando de lado o amor às coisas terrenas, do Estado. Devido a isso,
esta religião não tem os moldes de uma religião voltada ao Estado, mas
somente para as coisas do céu. Por isso, elas não se dispõem a lutarem e muito
menos morrerem pelo Estado onde vivem".
Segundo Machiavel [24], o Cristianismo só santifica
os "fracos" e os humildes, os homens afeitos a vida contemplativa e
não a vida ativa. Para ela, o bem supremo é a humildade e o desprezo aos bens
do mundo. Já os pagãos davam a máxima importância ao vigor do corpo, a tudo que
levasse os homens a se tornarem robustos e corajosos. Nicolau Maquiavel defende que o poder, a honra e a glória são bens
que devem ser perseguidos e valorizados, ao contrário da ideia restrita de
virtude cristã angelical (livre de tentações). O homem de virtú poderia
conseguir bens na terra e deveria lutar por isso, sem ficar almejando
recompensas exclusivamente celestiais. A moral não poderia ser um limitador da
prática política. O pensamento político de Maquiavel se apoia no conceito
de que a estabilidade da sociedade e do governo precisam ser conseguidos a todo
o custo. Já os pagãos davam a máxima importância a grandeza da
alma, ao vigor do corpo e tudo que contribuísse para formar homens robustos e
corajosos. Se a Religião Cristã nos recomenda hoje que sejamos fortes, é para
resistir aos males e não para excitar-nos a grandes empreendimentos.
Conforme Nietzche [25] "Pelo fato de que o
Cristianismo empurra para o primeiro plano a doutrina do desinteresse e do
amor, ele ainda não postulou, de modo algum o interesse da espécie como um
valor mais alto que o interesse individual (…) O indivíduo isolado foi tomado, com o
cristianismo, de modo tão importante, posto de modo tão absoluto, que não se
podia mais sacrificá-lo: mas a espécie só existe por meio do sacrifício humano
(…) Todas as ‘almas’ seriam iguais perante Deus: mas essa é justamente a mais perigosa
de todas as possíveis valorações! Equiparam-se os indivíduos, e assim põe-se em
dúvida a espécie, favorece-se uma práxis que chega a ser a ruína da espécie: o
Cristianismo é o contra princípio oposto à seleção natural. Se o degenerado e
doente (‘o cristão’) deve ter tanto valor quanto o saudável (‘o pagão’), ou
mesmo ainda mais segundo o parecer de Pascal sobre saúde e doença, então o
curso natural de desenvolvimento acha-se invertido, e a não natureza tornou-se
lei (…) Esse amor universal aos homens é, na prática, a prerrogativa de todos
os sofredores, malsucedidos e degenerados: ela, de fato, arruinou e amorteceu a
força, a responsabilidade, o alto dever de sacrificar homens (...) A espécie
tem necessidade do ocaso dos falhados, fracos e degenerados: mas o Cristianismo
recorre justamente a eles como potência conservadora, e esta faz aumentar ainda
mais aquele instinto dos fracos, em si mesmo já tão potente, de se pouparem, se
conservarem e de se manterem reciprocamente".
8. O Sacrifício segundo os Santos:
Segundo Santo Afonso Maria de Ligório, "Jesus, ao nascer, foi
deitado na dura palha da manjedoura. Mas porque é que Maria, que tanto tinha
suspirado pelo nascimento do Filho, que tanto o amava, não o guardou nos braços
em vez de o expor a tão grande sofrimento num leito deveras duro? É um
mistério, diz Santo Thomas de Vilanova: Neque illum tali loco posuisset,
nisi magnum aliquod mysterium ageretur. Deste mistério há diversas
explicações, mas entre todas mais me agrada a de São Pedro Damião. Jesus
recém-nascido quis ser posto sobre a palha para nos ensinar a mortificação dos
sentidos: Legem martyrii praefigurabat. O mundo havia-se perdido pelas
satisfações dos sentidos; por elas se havia perdido Adão, e depois dele um sem
número dos seus descendentes até o dia de hoje. O Verbo eterno desceu do céu
para nos ensinar o amor dos sofrimentos, e começou a no-lo ensinar desde
criança, escolhendo para si os sofrimentos mais ásperos que uma criança pode
suportar. — Foi, pois, ele mesmo quem inspirou a Maria, que em vez de o guardar
nos seus tenros braços, o pusesse sobre aquele leito tão duro, afim de sentir
mais o frio da gruta e as picadas da rude palha" [26].
Um dos
santos contemporâneos desta época de pós modernidade, fundador da ordem Opus
Dei, São José Maria Escrivá, pondera: "Esta é a verdade do cristão:
entrega e amor - amor a Deus e, por Ele, ao próximo -, fundamentados no
sacrifício. O amor saboroso, que torna feliz a alma, está baseado na dor: não é
possível amor sem renúncia".
E ele continua: "Motivos
para a penitência? Desagravo, reparação, petição, ação de graças; meio para
progredir...; por ti, por mim, pelos outros, pela tua família, pelo teu país,
pela Igreja... E mil motivos mais. A mortificação é a ponte levadiça, que
nos permite a entrada no castelo da oração [27].
Não contrariaste alguma vez, em
alguma coisa, os teus gostos, os teus caprichos? - Olha que, Quem te pede isso,
está pregado numa Cruz - sofrendo em todos os seus sentidos e potências -, e
uma coroa de espinhos cobre a sua cabeça... por ti.
A vocação cristã é vocação de
sacrifício, de penitência, de expiação. Temos que reparar por nossos pecados -
quantas vezes não teremos virado a cara para não vermos Deus! - e por todos os
pecados dos homens. Temos que seguir de perto os passos de Cristo: trazendo
sempre em nosso corpo a mortificação, a abnegação de Cristo, seu abatimento
na Cruz, para que também em nossos corpos se manifeste a vida de Jesus.
O nosso caminho é de imolação, e essa renúncia nos trará o gaudium cum
pace, a alegria e a paz.
A mortificação é o sal da nossa
vida. E a melhor mortificação é a que combate - em pequenos detalhes, durante o
dia todo - a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da
vida. Mortificações que não mortifiquem os outros, que nos tornem mais
delicados, mais compreensivos, mais abertos a todos. Não seremos mortificados
se formos suscetíveis, se estivermos preocupados apenas com os nossos egoísmos,
se esmagarmos os outros, se não nos soubermos privar do supérfluo e, às vezes,
do necessário; se nos entristecermos quando as coisas não correm como tínhamos
previsto. Pelo contrário, seremos mortificados se nos soubermos fazer tudo
para todos,para salvar a todos. "Temos que andar sem medo a
vida e sem medo a morte, sem nos esquivarmos a qualquer custo a dor, que para
um cristão é sempre meio de purificação e ocasião de amar deveras os seus
irmãos, aproveitando as mil circunstâncias da vida corrente"[28].
“Se podes
aguentar o jejum, fazes muito bem em jejuar um pouco mais do que a Igreja
obriga, porque o jejum, além de elevar o espírito a Deus, reprime a
sensualidade, facilita as virtudes e aumenta os merecimentos. Grande proveito
nos traz em mantendo-nos no estado de mortificar a gula e de sujeitar o apetite
sensual e o corpo as leis do espírito; e, mesmo que não se jejue muito, o
inimigo tem grande medo daqueles que conhece que sabem jejuar” [49].
São Cipriano, santo do início da
Cristandade disse em A promessa após a morte: "O Senhor
desejou que nos regozijássemos e saltássemos de alegria nas perseguições.
Quando as perseguições ocorrem as coroas da fé são concedidas, os soldados de
Deus são testados e o Céu é aberto aos mártires, pois não nos alistamos para a
guerra a fim de pensarmos somente na paz e nos retirarmos da batalha. Porém,
nessa intensa guerra de perseguição, o Senhor adentrou primeiro. Ele é o Mestre
da humildade, da resistência e do sofrimento. O que Jesus nos diz para fazer,
Ele fez primeiro e o que Ele nos encoraja a sofrer, Ele sofreu primeiro por
nós. Amado, observe que Ele sozinho carregou todo o julgamento do Pai e
virá para julgar. Jesus já declarou o seu julgamento e reconhecimento futuros.
Ele predisse e testificou que confessará diante de seu Pai aqueles que o
confessarem e negará aqueles que o negarem. Se nós pudéssemos escapar da morte,
seria razoável que atendêssemos, porém por ser necessário que o homem mortal
morra, devemos abraçar a ocasião como oriunda da promessa de Deus para nos
recompensar, no final com a vida eterna. Não
devemos temer a morte, desde que tenhamos a certeza de que seremos coroados
quando formos mortos".
9.
Discussão:
A maioria
dos artigos científicos que abordam a anorexia das Santas Católicas possuem um
viés preconceituoso e reducionista considerando o sacrifício e o sofrimento
como algo ruim, desnecessário, exatamente por carecerem do entendimento
teológico da ascese e da vida eterna.
O sofrimento é algo inerente a
condição humana: “Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo
tereis aflições, mas coragem. Eu venci o mundo - João 16:33
Sofrimento que nos chega
deliberada e involuntariamente. Deliberada quando somos parte da causa: nossos
erros, pecados e que trazem seu preço como diz São Paulo em sua carta aos
Romanos: "o salário do pecado é a morte" - Rm 6:23. Involuntariamente
quando, sem pé nem cabeça, nos afligem as vezes por injustiças, infortúnios,
acidentes.
Se a vida é um “vale de lágrimas” por que
buscar mais problemas como as religiosas dos Mosteiros? A Mortificação e as penitências voluntárias, fazem
parte da tradição da Igreja e servem para dominar os instintos, já que “o
espírito é forte, mas a carne é fraca” - Mateus 26:41.
Veja o que o jejum
consegue. Ele cura as doenças, resseca os fluidos supérfluos do corpo,
expulsa os espíritos maus, afasta os pensamentos errados, dá maior lucidez a
mente, purifica o coração, santifica o corpo e enfim conduz o homem ao trono de
Deus. Uma grande força é o jejum e proporciona grandes sucessos." Santo
Atanásio, bispo de Alexandria (séc. IV).
Dotados de razão e vontade,
podemos escolher o que fazer e essa escolha é definidora do que seremos.
Diferentemente dos animais que agem por instinto. Assim, a “contenção por
amor ao reino de Deus”, pode significar um ganho lá na frente e não
necessariamente uma perda. Claro que isso parece loucura ao mundo paganizado
que busca o prazer e foge da dor. Como nós diz São Paulo na sua carta aos Coríntios: “os
judeus pedem sinais milagrosos, e os gregos procuram sabedoria. Nos, porém,
pregamos Cristo crucificado, o qual, de fato, é escândalo para os judeus e
loucura para os gentios, mas para os que foram chamados, tanto judeus como
gregos, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus. Porque a loucura de
Deus é mais sábia que a sabedoria humana, e a fraqueza de Deus é mais forte que
a força do homem”.
Disse Hipócrates, o Pai da
Medicina: "que teu remédio seja teu alimento; que teu alimento seja teu
remédio. Cure sua moléstia pelo jejum mais do que pelo medicamento”.
Para Cristo, só há um caminho: “se queres
viver, tome a tua cruz de cada dia, não olhes para traz, e me siga” - Lucas
9:23. Contudo, o sofrimento da clausura,
daqueles buscam vencer a “concupiscência da carne, do olhar e a soberba da
vida”- 1Jo 2:16, não deve ser pesada, um fardo. Jesus disse: “vinde a mim todos que estais cansados
e fatigados pelo vosso fardo que Eu vos aliviarei. Tomai o meu jugo, pois ele é
leve e suave” - Mateus 11:28-30. E deve ser sincera: "Quando
jejuarem, não mostrem uma aparência triste como os hipócritas, pois eles mudam
a aparência do rosto a fim de que os outros vejam que eles estão jejuando. Eu
digo verdadeiramente que eles já receberam sua plena recompensa".
Vencendo o pecado, pela
Mortificação, por uma decidida decisão em morrer para o mundo, fazemos a
vontade de Deus. Isso porque cremos em Deus e como ensina Olavo de
Carvalho, “a existência de Deus não é matéria de Fé, mas de prova
racional”. Cremos que
por Ele fomos criados, e sendo meras criaturas não temos direito de determinar
como deve ser nossa vida. O Criador assim determinou e assim que funciona, como
por exemplo, as leis da natureza. Do contrário, pelo caminho da concupiscência,
do pecado, não vai dar certo.
Finalmente,
para quem crê, o mais importante não é aqui, mas a Vida Eterna: “Todavia, como
está escrito na 1ª Carta de São Paulo aos Corinthios: "Olho nenhum
viu, ouvido nenhum ouviu, mente nenhuma imaginou o que Deus
preparou para aqueles que o amam" - 1 Coríntios 2:9. E como disse Santa Teresinha:
“eu mereci esse sofrimento”. Imagina que na terra não existem senão Deus e tu.
Assim te será mais fácil sofrer as mortificações, as humilhações... E, por fim,
farás as coisas que Deus quer e como Ele as quer".
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