sexta-feira, 26 de junho de 2020

Quando a Obesidade extrema tem causa genética


Sabemos que a maior parte dos pacientes obesos tem como causa fatores culturais e ambientais, porém a causa genética não pode ser desconsiderada. Existem casos de pacientes superobesos com apetite voraz em que o distúrbio é inato, genético e por isso é tão importante a desculpabilização. Ou seja, nem todo mundo come muito porque quer.

Foi publicado um estudo inédito realizado no Brasil por pesquisadores cariocas.

Nesta pesquisa foram identificados pacientes com mutações patogênicas em alguns genes como o LEP, o MRAP2 e o POMC. Nestes casos temos um paciente em que a obesidade monogenica (apenas um gen está alterado) não sindrômica interrompe o equilíbrio, a homeostase energética. A maioria destas mutações nos genes encontrados no núcleos das nossas celular, resulta da interrupção da via da leptina-melanocortina. Isso resulta em um apetite voraz em fase precoce da vida levando a obesidade grave.

Tratou-se de um estudo transversal com 122 adultos obesos sendo 97 mulheres (79,5%) e 25 homens que apresentaram obesidade de início precoce, com idade de 18 a 65 anos, da cidade do Rio de Janeiro.

Os critérios de inclusão foram obesidade grave com IMC > ou = 35 desenvolvida de 0 a 11 anos de idade. 

Esse estudo descreveu pela primeira vez a prevalência de variantes raras dos genes MRAP2 e POMC potencialmente patogênicas em uma coorte de adultos brasileiros obesos graves.


Fonteda Fonseca ACP, Abreu GM, Zembrzuski VM et al. Study of LEPMRAP2 and POMC genes as potential causes of severe obesity in Brazilian patients. Eat Weight Disord (2020). https://doi.org/10.1007/s40519-020-00946-z.

terça-feira, 23 de junho de 2020

Covid 19 têm altíssimo gasto metabólico e pode necessitar Nutrição Parenteral

Foi publicado na revista americana JPEN (Journal of Parenteral and Enteral Nutrition) no dia 19/06/2020 um estudo com 7 pacientes com COVID 19 sob ventilação mecânica e gravemente adoecidos acerca do seu gasto energético (1).

1. Yu P‐J et al. Hypermetabolism and COVID‐19. 
Journal of Parenteral and Enteral Nutrition. Accepted Author Manuscript. doi:10.1002/jpen.1948


SARS COV-2 (Covid 19)

Muitos pacientes com COVID-19 permanecem hipóxicos (baixa fração parcial de oxigênio) e com hipercapnia (alta fração parcial de gás carbônico) apesar das configurações máximas do ventilador. Uma dissociação entre o grau de lesão pulmonar e a gravidade da hipóxia/hipercapnia foram observadas em pacientes com COVID-19 (2).

2. Gattinoni L et al. Covid-19 Does Not Lead to a "Typical" 
Acute Respiratory Distress Syndrome. 
Am J Respir Crit Care Med 2020.

Isso sugere que a gravidade da insuficiência respiratória aguda (IRpA) de pacientes com a COVID-19 pode não ser unicamente atribuível ao comprometimento pulmonar. 
A IRpA está associada à produção de citocinas pró-inflamatórias e indução de um estado hipermetabólico (3) o que demanda elevada ingesta calórico proteica. 

3. Kiiski R, Takala J. Hypermetabolism and efficiency of CO2 
removal in acute respiratory failure. Chest 1994;105(4):1198-1203.

Metodologia do estudo: O Gasto Energético de Repouso (GEB) foi calculado utilizando-se a equação de Penn State e medido com o aparelho de Calorimetria Indireta (MGC Diagnostics, Saint Paul, MN). Todos os pacientes estavam com uma FiO2 ≤ 60%, não necessitaram de Hemodiálise ou de drenagem torácica.

A equação de Penn State é recomendada para uso em pacientes obesos em VM e equação de HB com PA e fator estresse de 1,1, se paciente sem VM
A equação de Penn State é recomendada para uso em pacientes obesos em VM e equação de HB com PA e fator estresse de 1,1, se paciente sem VM

A equação de Penn State é recomendada para uso em pacientes obesos em Ventilação Mecânica. 

Resultados: Os 7 pacientes estavam com sedação intravenosa. A idade média foi de 62 anos (faixa de 55 a 74 anos), 5 (71,4%) pacientes eram do sexo masculino, a mediana do tempo de intubação foi de 19 dias (variação de 3-39 dias). A mediana da pCO2 e da pO2 foi de 60 mmHg (intervalo 53-72 mmHg) e 75 mmHg (intervalo 61-95mmHg), respectivamente. 

A mediana do GEB medido foi de 4044 Kcal/dia, o que foi 235,7% ± 51,7% maior do que o previsto. A mediana da VCO2 foi de 452 mL / min (variação de 295-582 mL / min) e da VO2 foi de 585 mL / min (intervalo 416-798 mL / min). 

Não houve correlação positiva forte entre a proteína C-reativa e o D-Dímero para ambas as medidas do GEB previsto e aferido (coeficiente de correlação de Pearson <0,5).


Paciente
Idade
Dia de Hospitalização
Índice de massa Corpórea
GEB pela Calorimetria
GEB pela Equação
PCR
D-dímero
1
62
8
26,6
5186
1733
7,11
13862
2
74
8
24,6
2845
1296
0,5
2894
3
70
22
37,5
3052
1865
13,36
1160
4
57
23
28,1
4044
2108
3,94
980
5
57
30
27,4
3952
1955
13,38
2019
6
69
32
25,1
4282
1617
14,5
560
7
55
55
25,2
5414
1753
12,6
1393










Discussão
Sabíamos que doenças como a SEPSE, o POLITRAUMA e o GRANDE QUEIMADO demandam muita energia porém o observado neste estudo EXTRAPOLA TUDO VISTO ANTERIORMENTE na Medicina.

Um estudo preliminar, conduzido pelo prof. Paul Wirschemeyer da Duke University havia confirmado esta evidência. 

O aumento absurdo do consumo de oxigênio e da produção de CO2 observada nessa coorte de 7 pacientes como resultado de seu hipermetabolismo pode explicar a alta taxas de falha na ventilação mecânica em pacientes com COVID-19 grave. 

Alguns desses pacientes podem ser indicados para a Oxigenação do Sangue por Sistema de Membrana extracorpórea (ECMO). Nesse caso dos 7 pacientes, contudo, o consumo de O2 e a produção de CO2 excedeu a capacidade de transferência de O2 e CO2 dos oxigenadores adultos típicos utilizados nos circuitos de ECMO.

Essas observações sugerem a necessidade do aumento da Nutrição acima dos 15-20 kcal/kg de peso corporal/dia real atualmente recomendados para pacientes gravemente enfermos com COVID 19 segundo os Guidelines das Sociedades de Especialidades (ASPEN, ESPEN, BRASPEN). 

Embora os pacientes com Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SARA) tenham gastos de energia aproximadamente 30% acima do GEB, têm-se observado que a maioria dos pacientes com COVID-19 tem gastos de energia superiores a 200% disso.

Nutrição Parenteral em acesso venoso periférico e central



IMPORTÂNCIA da TERAPIA NUTRICIONAL
Um suporte nutricional adequado é vital para a preservação da função do músculo respiratório, da resposta imune à infecção e da da lesão oxidativa celular.

No entanto, dado o GEB extraordinariamente elevado observado em pacientes com COVID-19, utilizar puramente cálculos do GEB por equações preditivas pode resultar em superalimentação e aumento da produção de CO2.

Além de ter implicações para o manejo do suporte nutricional em pacientes com COVID-19, nossas observações de hipermetabolismo extremo em pacientes gravemente enfermos com a COVID-19 sugere possíveis alvos para intervenções terapêuticas que não foram explorado até o momento. 

Observações do Blog:


  • A Nutrição Parenteral suplementar a dieta por via enteral pode ser uma alternativa segura e viável para se atingir a meta energético proteica.
  • A noção de que a Nutrição Parenteral é tão segura quanto a Enteral está bem documentada desde os estudos CALORIES, o estudo suíço da Dra Claudia Heidegger e o estudo NUTRIREA-2. Deve-se, porém, evitar a oferta de um excesso de energia pela via endovenosa (Parenteral).
  • Afinal, muito dificilmente um paciente crítico com COVID 19 com excessiva demanda metabólica tolerará um tal volume de dieta enteral mesmo com dietas de alta densidade calórica.
  • A Covid 19 é uma doença nova e as evidências são heterogêneas em vários aspectos até que se consigam estudos com grande amostra, duplo cegos, placebo controlados e avaliados por Metanálise. 
  • Antes disso, é preciso ética, bom senso e faro clínico para não se perder oportunidades de atuar com o melhor da evidência científica disponível.
  • Observe-se que o exame da Calorimetria foi realizado após a 1ª semana de internação e de fato, tem se orientado ofertar pouco nos primeiros 10 dias: 18 a 20 kcal/kg/dia. Além disso, a equação de Penn State subestimou a oferta calórica realmente necessária.

domingo, 21 de junho de 2020

Bactérias Intestinais - importam sim e como importam!

Entender o funcionamento do nosso corpo é um desafio contínuo para a Ciência. Quanto mais descobrimos, mais se descortinam possibilidades preventivas e terapêuticas. Na área da microbiota intestinal (bactérias que habitam o interior das alças intestinais) têm surgido novas e interessantes evidências.
Elas mostram como é importante a presença de uma flora (conjunto destas bactérias) saudável e como elas podem interferir em inúmeras doenças, inclusive hormonais.


Ligação entre o Estilo de Vida e a Flora intestinal

Hábitos alimentares ruins, Sedentarismo, uso excessivo de medicamentos e drogas, privação do sono e o stress psicológico podem levar a Disbiose e então a um estado Inflamatório os quais contribuem para o surgimento de varias doenças ao longo do tempo. Disbiose é um achado comum em pacientes com doenças da glândula tiróide.
Fonte: Microbiota and Lifestyle: A Special Focus on Diet. 
Nutrients 2020;12(6):1776. 


Eixo Intestino-Tiróide

Observe na imagem abaixo como a glândula tiróide pode ter seu funcionamento impactado por vários elementos da dieta e microbiota (flora). A glândula tiróide regula o metabolismo e quando diminui seu funcionamento (hipotiroidismo) há maior tendência a elevação do peso corporal.
Fonte: Knezevic  J et al. Thyroid-Gut-Axis: 
How Does the Microbiota Influence Thyroid Function? 
Nutrients 2020; 12: 1769.

Os probióticos demonstraram  benefícios nas doenças da tiróide com efeitos favoráveis nos níveis de Selênio, Zinco e Cobre. Tais microorganismos funcionam como reservatório para a fração T3  do hormônio produzido pela tiróide, prevenindo a flutuação dos hormônios tiroideanos reduzindo a necessidade de suplementação do T4. 
Existe vasta documentação científica sobre a existência de um eixo de ligação entre o intestino e a tiróide.  Ademais, há uma alta prevalência de doenças relacionadas ao intestino e a tiróide como a Tiroidite de Hashimoto, Doença de Graves, Doença celíaca e não celíaca sensível ao glúten.

Assim, os estudiosos defendem recentemente que os probióticos sejam uma terapia coadujvante nas doenças tiroideanas. Novos estudos precisam ser realizados para elucidar a importância deste recém descoberto eixo Tiróide-Intestino e suas possibilidades terapêuticas. 

sexta-feira, 12 de junho de 2020

O fator Hereditário na Obesidade

O fator Hereditário na Obesidade

É fato que o excesso de gordura corporal, a OBESIDADE, é o grande desafio das doenças crônico não transmissíveis do século XXI.
Estudos recentes têm procurado entender o peso da herança genética no desenvolvimento desta tão desafiadora doença.


A prevalência da obesidade aumentou dramaticamente nos últimos 30 anos e não pode ser explicada apenas pela genética, dieta e exercício. 

Uma variedade de exposições precoces no útero materno por tóxicos ambientais pode alterar os resultados metabólicos através da reprogramação epigenética do desenvolvimento. 
A herança transgeracional epigenética da obesidade foi observada após a exposição ancestral a uma dieta rica em gorduras, desnutrição e a vários tóxicos ambientais


Este fenômeno foi observado em uma variedade de organismos, incluindo plantas e animais com pesticidas (metoxicloro), com o BPA (bisfenol-A) e fitalatos presentes nos plásticos, metais pesados como o mercúrio, etc.  

Epimutação de espermatozóides específicas da obesidade foram identificadas na 3ª geração (F3) de animais expostos a substâncias tóxicas ambientais. 

Numerosos genes modificados por metilação do DNA em uma variedade de fenótipos e exposições ancestrais foram encontrados como potenciais moduladores do metabolismo e da função dos adipócitos (células adiposas).


FONTE: 
Trends in Endocrinology & Metabolism
2020;31(7):478-494.