Habilidades humanas necessárias em um mundo imprevisível
Margaret Heffernan
Empresária, CEO, escritora e professora
na Universidade de Bath (Inglaterra)
Tradução: Claudio L Barbosa (médico Nutrólogo, mestre e pesquisador
associado do NUTECC-Núcleo Transdisciplinar
para o Estudo do Caos e da Complexidade da
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/FAMERP-SP)
Traduzimos abaixo, um dos mais recentes vídeos publicados pelo TED. O TED é uma organização sem fins lucrativos dedicada a espalhar idéias, geralmente sob a forma de conversas curtas e poderosas (vídeos de 18 minutos ou menos). O projeto começou em 1984 como uma conferência onde tecnologia, entretenimento e design convergiram entre si, e hoje abrange quase todos os temas da ciência indo dos negócios até questões globais em mais de 100 línguas.
“Recentemente, a gerência uma grande rede americana de supermercados decidiu que era necessário maior eficiência na empresa. Então, adotou-se com zelo uma transformação digital. Extinguiu-se as equipes de supervisão dos açougues, dos vegetais, da charcutaria e introduziu-se um distribuidor de tarefas algorítmico. Em vez das pessoas trabalharem em conjunto, cada colaborador batia o ponto, recebia uma tarefa, executava-a, e voltava para receber outra. Isto era uma gestão científica no seu melhor conceito, um trabalho padronizado e bem distribuído. Era para ser altamente eficiente.
O resultado não foi bem assim, pois neste novo esquema, o distribuidor de tarefas não sabia quando um cliente deixava cair uma caixa de ovos, não previa quando uma criança agitada ia dar um pontapé num cliente ou quando a escola local decidia que todos os alunos deveriam levar um determinado cookie no dia seguinte, acabando com os estoques das prateleiras.
A eficiência funciona muito bem quando você pode prever exatamente o que vai precisar. Mas quando surge o inesperado (o que chamamos de Eventos Emergentes na Teoria do Caos*) então a eficiência não é mais sua amiga.
Esse assunto se tornou uma questão realmente crucial, ou seja, a capacidade de lidar com o inesperado, porque o inesperado está se tornando a norma.
É por isso que meteorologistas estão relutantes em prever qualquer coisa para além de 400 dias ultimamente. Porque? Porque ao longo dos últimos 20 ou 30 anos, grande parte do mundo passou de um estado de complicação para um estado de complexidade onde sim, existem padrões, porém estes não se repetem regularmente.
Isso significa que mudanças muito pequenas podem trazer um impacto desproporcional (o que chamamos de Efeito Borboleta*). E isso significa que a superespecialização não será sempre e mais suficiente, porque os sistemas continuam mudando muito rápido.
Isso significa, então, que hoje há no mundo uma enorme quantidade de eventos que vêm desafiando a capacidade preditiva. É por isso, por exemplo, que o Banco da Inglaterra diz que sim, haverá outra quebradeira global, mas não sabem porquê ou quando. Sabemos que a mudança climática é real, mas não podemos prever onde os incêndios florestais vão ocorrer e onde haverá a próxima megainundação. Vivencia-se, atualmente, uma era de incerteza inexorável. E em um ambiente que desafia tanto a previsão, a eficiência não vai apenas nos ajudar, mas pode minar e corroer nossa capacidade de se adaptar e responder as interpéries.
Então, se a eficiência não é mais o nosso princípio orientador, como abordar o futuro? Que tipo de pensamento vai realmente nos ajudar? Que tipo de talentos devemos buscar? Nós pensávamos muito, no passado, na gestão do tempo, porém agora temos que começar a focar em cada caso, preparando-se para eventos inesperados que são inevitáveis, mas especificamente permanecem ambíguos.
Um exemplo disso é o esforço da organização público privada CEPI (Coligação para o Enfrentamento de Epidemias). A CEPI sabe que haverá mais epidemias no futuro, mas não sabem onde, quando ou como. Então não se pode planejar. Pode-se, contudo se preparar. Assim, a CEPI está desenvolvendo múltiplas vacinas para múltiplas doenças, sabendo que eles não conseguem prever quais vacinas vão funcionar ou quais doenças vão surgir. Algumas vacinas, dessa forma, nunca serão usadas. Isso é ineficiente, mas é robusto, porque fornece mais opções, e isso significa que não dependemos de uma única solução tecnológica. A capacidade da resposta a epidemias também depende enormemente de pessoas que conheçam e confiem umas nas outras. Mas essas relações levam tempo para se desenvolver e o tempo sempre é curto quando surge uma epidemia. Assim, o CEPI está desenvolvendo relacionamentos, amizades e alianças sabendo que alguns desses podem nunca ser usados. Isso seja, talvez, ineficiente e um desperdício de tempo, mas é forte, poderoso.
Podemos observar a aplicação deste conceito no mercado financeiro. No passado, os bancos costumavam ter muito menos capital do que nos dias de hoje, porém manter tão pouco capital, mesmo aparentemente eficiente tornou os bancos muitofrágeis. Manter, atualmente, mais capital, parece algo improdutivo. Pode ser, mas é robusto, porque protege o sistema financeiro contra surpresas.
Os países realmente preocupados com a mudança climática sabem que precisam adotar múltiplas soluções, múltiplas formas de energia renovável, não apenas uma. Estes países mais desenvolvidos estão trabalhando há anos, mudando seus sistemas de abastecimento de água, alimentos e de saúde, porque reconhecem que, no momento em que tiverem certas previsões, essas informações podem chegar tarde demais.
Pode-se adotar esta mesma abordagem para guerras comerciais e muitos países o fazem. Em vez de depender de um único grande parceiro, eles tentam ser amigos de todos, porque sabem que não podem prever quais mercados podem tornar-se, de repente, instáveis. Negociar com tanta gente é demorado e caro, mas é poderoso porque torna toda a sua economia melhor protegida contra choques. É uma estratégia particularmente adotada por países pequenos que sabem que nunca terão a força do mercado para dar o tom. Sendo assim, melhor é ter muitos amigos. Mas se você está preso em uma dessas organizações ainda dependentes do mito da eficiência, como proceder e mudar isso? Vejamos algumas experiências.
Na Holanda, as enfermeiras de Home-Care costumavam atuar praticamente como em um supermercado: trabalho padronizado e prescrito por minutos: nove minutos na segunda-feira, sete minutos na quarta-feira, oito minutos na sexta-feira. As enfermeiras odiavam isso. Então, um deles, Jos de Blok, propôs um experimento. Como cada paciente é diferente, e não sabemos exatamente o que eles precisam, por que não deixamos as enfermeiras decidirem? Em seu experimento, Jos descobriu que os pacientes melhoraram na metade do tempo e os custos caíram 30%. Quando perguntei a Jos o que o surpreendeu sobre sua experiência, ele meio que riu e disse: "Bem, eu não tinha ideia de que seria tão fácil encontrar uma melhora tão grande, porque esse não é o tipo de coisa que você pode saber ou prever sentado em uma mesa ou olhando para uma tela de computador. " Esta abordagem, recentemente, tem proliferado em toda a Holanda e ao redor do mundo. Mas em cada novo país, ainda se inicia com tentativas, porque cada lugar é um pouco diferente e imprevisível.
Claro, nem todos os experimentos funcionaram. Jos tentou uma abordagem semelhante com os Bombeiros e não vingou porque o serviço era muito centralizado. Os experimentos falhos pareciam ineficientes, mas eles geralmente são a única maneira de se descobrir como o mundo real funciona. Jos está, agora, tentando formar monitores nessa área. Experimentos como esse exigem criatividade e não bravura.
Na Inglaterra, a equipe líder de rugby, uma das melhores, é a equipe Saracens. O seu treinador percebeu que os treinamentos e condicionamentos físicos haviam se tornado genéricos e repetitivos. Realmente, todas as equipes fazem exatamente a mesma coisa. Então eles arriscaram uma experiência inovadora. Levaram toda a equipe para longe, mesmo sendo o período de temporada de jogos, para esquiar e conhecer projetos sociais em Chicago. Isto era caro, demorado, e poderia ser arriscado colocar um time inteiro de jogadores do rugby em uma pista de esqui, ok?
Mas o que eles descobriram foi que os jogadores voltaram com laços renovados de lealdade e solidariedade. E agora, quando eles estão em campo sob uma pressão incrível, eles manifestam o que o gerente chama de dedicação inabalável uns para com os outros. Seus oponentes estão tremendo com isso.
Em uma empresa de tecnologia de Londres, a Verve, a CEO costumava mensurar tudo, porém ela não conseguia encontrar nada que fizesse qualquer diferença na melhoria da produtividade da sua empresa. Então, ela inventou uma experiência que chamou de "semana do amor ": uma semana inteira, onde cada funcionário teria que procurar coisas realmente inteligentes, úteis, imaginativas que um colega seu pudesse ter feito. Daí então este colaborador deveria chamar o seu colega, e celebrar isso com ele. Leva uma enorme quantidade de tempo e esforço; muita gente chamaria isso de distração. Mas realmente energiza o negócio e torna a empresa mais produtiva como um todo.
Preparação, construção de coalizão, imaginação, experimentação, bravura são fontes poderosas de força e resiliência nesta era de tamanha imprevisibilidade. Isto não é eficiente, mas nos dá uma capacidade ilimitada de adaptação, variação e invenção. E quanto menos soubermos sobre o futuro, mais precisaremos dessas tremendas fontes de habilidades humanas, confusas e imprevisíveis.
Mas em nossa crescente dependência da tecnologia, toda vez que usamos essa tecnologia para tomar uma decisão ou uma escolha, para interpretar como alguém está se sentindo ou para nos guiar em uma conversa, nós terceirizamos a uma máquina o que poderíamos fazer por nós mesmos, e isso pode nos custar caro. Quanto mais deixamos as máquinas pensarem por nós, menos podemos pensar por nós mesmos.
Quanto mais tempo os médicos passam olhando para os registros clínicos digitais, menos tempo eles passam olhando para seus pacientes. Quanto mais usamos aplicativos baby sitter, menos conhecemos nossos filhos. Quanto mais tempo passamos com pessoas que nos são caras, menos podemos nos conectar com pessoas que são diferentes de nós mesmos. E quanto menos compaixão precisamos, menos compaixão temos.
O que todas essas tecnologias tentam fazer é forçar que a realidade caiba dentro um modelo padronizado em um mundo que é infinitamente surpreendente. O que é deixado de fora? Qualquer coisa que não pode ser medida e que simplesmente é o que mais importa. Nossa crescente dependência da tecnologia arrisca a nos tornarmos menos qualificados e mais vulneráveis à complexidade profunda e crescente do mundo real.
Estava eu pensando sobre os extremos de stress e turbulência que sabemos, teremos que enfrentar. Fui, então, conversar com chefes executivos cujos próprios negócios passaram por crises graves, ocasião que eles mesmos vacilaram à beira de um colapso. Estas foram conversas francas e dolorosas. Muitos homens choraram apenas ao se lembrar daquilo. Então eu perguntei-lhes: "o que manteve você de pé naquela crise? " E todos eles disseram exatamente a mesma resposta. "Não foram os dados ou a tecnologia". "Foram meus amigos e meus colegas que me mantiveram firmes”.
Conversei então com um grupo de jovens executivos em ascensão, e perguntei-lhes: "quem são seus amigos no trabalho? " Eles olharam em volta si para um vazio. "Não há tempo. Eles estão muito ocupados. Não é eficiente." Perguntei-lhes, então quem, durantes as tempestades, lhes daria imaginação, resistência e bravura?
A verdade mais difícil e mais profunda é que o futuro é desconhecido e que não podemos mapeá-lo até que ele chegue até nós. Mas se temos tanta imaginação precisamos usá-la. Temos profundos talentos de inventividade e exploração se os aplicarmos. Somos corajosos o suficiente para inventar coisas que nunca vimos antes. Se perdermos essas habilidades ficaremos a deriva. Se, contudo, desenvolvermos e aperfeiçoarmo-nas, poderemos fazer todo o futuro que nós escolhermos”.
* Nota do tradutor. Grifos no texto, nossos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário