1. Resumo:
Existiram, na idade média, Santas católicas que jejuavam frequentemente. A literatura especializada tem, invariavelmente, um viés crítico, como se elas padecessem de uma psicopatologia. Esse artigo faz um contraponto a essa visão, baseado na Teologia, na Doutrina Católica e na Nutrologia.
2. Definição de Anorexia Nervosa:
A Anorexia nervosa, com uma prevalência de 0,4–4,3% em mulheres jovens no mundo ocidental moderno, é tipicamente caracterizada por uma distorção da imagem corporal, pelo desejo de ser magro e a sensação de estar acima do peso apesar de uma óbvia condição de baixo peso. Metanálise recente demonstrou que os transtornos de conduta alimentar vêm apresentando alta prevalência, maior nas mulheres, ao redor do mundo [29].
As causas prováveis são uma combinação de determinações genéticas e sociais/psicológicas determinantes [11].
2.1 Critérios diagnósticos da AN, segundo a American Psychiatric Association (DSM-5) [6]:
A. Restrição da ingestão energética em relação às necessidades, levando a uma massa corporal significativamente baixa no contexto da idade, gênero, trajetória do desenvolvimento e saúde física. Massa corporal significativamente baixa é definida como uma massa corporal inferior à massa corporal mínima normal ou, no caso de crianças e adolescentes, menor do que o minimamente esperado.
B. Medo intenso de ganhar massa corporal ou de engordar, ou comportamento persistente que interfere no ganho de massa corporal, mesmo estando com massa corporal significativamente baixa.
C. Perturbação no modo como a própria massa corporal ou forma corporal são vivenciados, influência indevida da massa corporal ou da forma corporal na autoavaliação ou ausência persistente de reconhecimento da gravidade da baixa massa corporal atual.
Tipos:
1. Tipo restritivo: durante os últimos três meses o indivíduo não se envolveu em episódios recorrentes de compulsão alimentar ou comportamento purgativo (i. e., vômitos autoinduzidos ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas). Este subtipo descreve apresentações nas quais a perda de massa corporal é conseguida principalmente
por meio de dieta, jejum e/ou exercício excessivo.
2. Tipo de compulsão alimentar purgativa: nos últimos três meses o indivíduo se envolveu em episódios recorrentes de compulsão alimentar purgativa (i. e., vômitos autoinduzidos ou uso indevido de laxantes, diuréticos ou enemas).
A AN, em se tratando de uma patologia que pode trazer risco de vida, deve ser tratada. Interessante que, sendo uma desordem eminentemente mental, nenhuma droga ou intervenção lógica provou ser especificamente benéfica, mas as comorbidades como a Depressão e a Ansiedade devem ser tratadas [16]. O ganho de peso deve ser realizado gradualmente com uma meta de 250 g a 500 g por semana, ou seja, lentamente, para evitar complicações da Síndrome de Realimentação (retenção de líquidos, insuficiência cardíaca congestiva, dilatação gástrica aguda, alterações eletrolíticas). A maioria dos indivíduos são capazes de alcançar a remissão da doença dentro de 5 anos do diagnóstico inicial. O prognóstico da anorexia nervosa é variável, com alguns indivíduos recuperando-se após um único episódio, enquanto outros apresentam episódios recorrentes ou curso crônico. A mortalidade não tratada é de 5,1/1.000 anualmente, a mais alta entre as condições psiquiátricas. A bulimia nervosa tem um resultado mais benigno, mas 10–15% farão a transição para a anorexia.
3. Anorexia das Santas Católicas segundo a Ciência:
A existência de transtornos alimentares em outras culturas e séculos passados é de grande interesse psicopatológico, na medida em que coloca no centro da discussão a questão do patogenético e do patoplástico em psiquiatria e que torna relativa a influência da modernidade, muitas vezes colocada como fator causal principal e por vezes único.
O estudo que Rudolph Bell (1985) desenvolveu sobre a vida de mais de 250 mulheres italianas santas e beatas da Igreja Católica, utilizando-se de escritos autobiográficos, cartas, testemunhos de confessores e relatos canônicos, oferece um bom campo de discussão [7]. O jejum auto-imposto não necessariamente significa um transtorno alimentar. Sabe-se que vários povos da Antiguidade incentivavam o jejum voluntário como prática religiosa e viam na abstinência alimentar uma forma de purificação. Vandereycken (1994), por exemplo, reporta que, no Egito Antigo, quem quisesse ser iniciado nos mistérios de Isis e Osiris deveria ficar entre sete e 40 dias sem comer. [8] Entre gregos e romanos, jejuava-se antes de se consultar os oráculos, e profetas do Velho Testamento jejuavam como preparação para experiências religiosas e revelações divinas. No entanto, chama a atenção o fato de a própria Igreja Católica, que em seus inícios também pregava o jejum, preocupar-se com a exagerada abstinência alimentar praticada nos mosteiros, a ponto de restringir a canonização de santas jejuadoras.
Bynum (1987), analisando o contexto cultural da comida na Idade Média, argumenta que o ascese era uma das únicas formas de superação ou elevação espiritual da mulher, num contexto teológico em que a mulher estava para o homem assim como a carne ou corpo estão para o espírito ou alma [9]. Assim, as mulheres mais frágeis, mais predispostas ao pecado, menos racionais poderiam encontrar o caminho de Cristo unicamente na eucaristia ou se autoflagelando até à submissão e ao abandono do corpo.
Santa Maria Madalena de Pazzi (1.566-1.607)
Uma das supostas "santas anoréxicas" foi a italiana Maria Madalena de Pazzi, nascida em Florença em 2 de abril de 1566. A escolha por Madalena de Pazzi do nome eclesiástico Maria Madalena, prostituta convertida na história cristã, desagradou a aristocrática família de Caterina, que lhe havia dado esse nome para homenagear Santa Catarina de Siena [10]. Em 1585, quando ainda não completara 20 anos de idade, e dizendo-se orientada por Deus, passa a restringir sua dieta a pão e água, exceto aos domingos, quando comia, sempre em pouca quantidade, apenas alguns restos de alimentos deixados na refeição pelas outras irmãs. Essa jovem sofreu contínuas doenças, mas se dizia feliz em sofrer por Cristo: "Pati, non mori" ("padecer, Senhor, e não morrer"). Entretanto, alguns aspectos familiares descritos nas pacientes anoréxicas têm grande interesse psicanalítico. Maria Madalena foi filha única, perfeccionista ao extremo e conhecida como cumpridora de regras. Este, inclusive, foi o motivo que a levou a escolher o Convento das Carmelitas, onde as regras eram extremamente rígidas. Descrita como uma criança determinada e sempre elogiada por sua obediência (desde que as coisas seguissem do seu jeito), recorria a crises de choro e caía doente quando impedida de seguir sua vontade. Sua mãe, como a de Caterina de Siena, era bastante autoritária, e foi com ela que Maria Madalena travou grandes batalhas até entrar para o convento e de cuja autoridade não se livrou de todo, uma vez que se deparou com Vangelista del Giocondo, uma severa e intransigente madre superiora que viria a exercer grande influência sobre ela.
Curiosamente, a adoção do nome Maria Madalena foi também uma escolha influenciada pelos escritos de Catarina de Sena, que cita Maria Madalena como um modelo para si mesma, porque, após a morte de Cristo, ela teria jejuado por 33 anos seguidos. Assim, não parece haver dúvida de que Maria Madalena de Pazzi leu os escritos de Catarina de Sena (outra suposta "santa anoréxica") e foi profundamente influenciada pelas ideias de ascese dessa Santa, considerada Doutora da Igreja. A vida de Catarina de Sena foi caracterizada por uma forma extrema de jejum, sua dieta sendo restrita apenas a água diluída com vinho e vegetais, um regime de fome auto-induzida que pode muito bem ter desempenhado um papel importante em sua morte ainda com 33 anos [11]. Motivada por profundas crenças religiosas, sua condição foi classificada como anorexia mirabilis ou o termo inglês holy anorexic (também conhecida como inédia prodigiosa), diagnóstico retrospectivo para o qual convergiram vários autores, independentemente do etiologia.
A anorexia nervosa parece ter sido conhecida desde a Idade Média, mas uma distinção absolutamente confiante da anorexia mirabilis é difícil para este período histórico [12]. Embora a anorexia mirabilis não seja mais diagnosticada nos tempos modernos, a anorexia nervosa tem sido cada vez mais diagnosticada ao longo do século XX. No entanto, ainda não está claro se isso se deve a um aumento na prevalência ou um aumento na conscientização entre os profissionais de saúde. Além disso, relatos anedóticos de anorexia nervosa com forte conotação religiosa - mostrando assim uma certa sobreposição com anorexia mirabilis - pode ser encontrada na literatura psiquiátrica especializada [13].
Nas descrições patobiográficas de Santa Catarina, a sintomatologia coletada por seus biógrafos, um elemento observado por Raymond de Cápua (1330-1390 DC) destaca-se: a sua abstinência da comida tinha sido extrema e que tinha o hábito de ingerir alimentos amargos e bebidas insípidas [amaros cibos et potus insipidos]. Descreve-se que os alimentos doces se tornaram totalmente inimigos dela [cuncta dulcia nociva suo corpori], e que Catarina sofria muito ao comê-los [14]. Do ponto de vista estritamente neurofisiológico, vale ressaltar que os canais do TRP (Receptor Transiente Potential), especialmente o TRPV1 e o TRPM8, desempenham um papel tanto no paladar, na percepção da dor e na modulação do gasto energético [15]. Alguns defeitos no funcionamento desses canais podem explicar pelo menos parte dos sintomas encontrado nas casos antigos. Indivíduos com anorexia nervosa apresentam maior sensibilidade à repulsa pela comida em comparação com pacientes controle. Foi sugerido que a repulsa pode ter origem como um mecanismo de defesa contra a ingestão de alimentos contaminados ou alimentos venenosos.
Outros casos mais antigos de santas anoréxicas podem ser encontrados na literatura medieval, principalmente o de Santa Clara de Assis (1194–1253 DC). Embora o espectro sintomatológico se assemelhe ao de Santa Catarina, levando a uma retrospectiva comum para o diagnóstico de anorexia mirabilis (ou o termo inglês holy anorexic), uma indicação clara de disgeusia não pode ser identificada com segurança nesse caso. O caso de Santa Catarina de Sena pode assim ser considerado uma das mais antigas descrições verdadeiras de disgeusia. Além disso, por conta disso, uma semelhança paleoneurofisiológica convincente entre a anorexia mirabilis e a anorexia nervosa pode ser proposta.
Interpretações à parte, o clínico, tomando por base a perda de peso auto-induzida, a resistência em comer contra todos os argumentos lógicos e evidências de riscos físicos, os episódios bulímicos e o comportamento purgativo, não relutaria em dar o diagnóstico de anorexia nervosa subtipo purgativo [10].

Santa Catarina de Sena (1.347-1.380)
4. Fundamento Histórico Medicinal do Jejum:
O costume de jejuar está difundido entre vários tipos e estágios de civilizações com propósitos variados. Pode ser um ato de penitência ou de propiciação; um rito preparatório antes de algum ato de alimentação sacramental ou iniciação; uma cerimônia de luto; um de uma série de ritos de purificação; um meio de induzir sonhos e visões; um método de adicionar força aos ritos mágicos [1].
Em 2010, este autor publicou, sob a chancela da sociedade de especialidade dos médicos Nutrólogos no Brasil, a Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN), o Protocolo ABRAN I de Aplicação de Dietas de Muito Pouco Valor Calórico [2]. Tratou-se de extensa revisão bibliográfica acerca dos “jejuns medicinais” ao redor do mundo, especialmente na Europa, onde tal prática é centenária. O Jejum é praticado na Europa e Ásia há décadas, mas seu interesse na América literalmente “explodiu” especialmente nos últimos anos [3], notadamente após o biólogo japonês Yoshinori Ohsumi ser laureado com o prêmio Nobel de Medicina em 2016. Ohsumi comprovou que a restrição calórica drástica, “o jejum”, estimula o processo de autofagia, mecanismo pelo qual as células se auto-degradam permitindo uma renovação das mesmas e contribuindo para a longevidade do organismo [4].
“Jejuar” faz parte da tradição de muitas religiões e povos e ainda hoje encontramos seus adeptos e praticantes. Nas “Clínicas de Jejum” – ou de Dietética Intensiva–pessoas se internam para a restrição calórica drástica (de 400 a 800 calorias por dia) [2]. O fundamento histórico-medicinal dessa terapia, a qual hoje denominamos como “Dietética Intensiva”, é tão vasto que apontamos aqui somente alguns pontos essenciais. O conhecimento da humanidade acerca de uma dieta severa temporária e de um “jejum terapêutico”, capaz de renovar corpo e alma, vem de longa data [5].
Podemos achá-lo nas prescrições cultuais de inumeráveis povos, em todos os tempos e em todas as religiões. Nas diversas prescrições de jejum tratava-se tanto da purificação corporal, da libertação de doenças, como também da purificação interior, renovação espiritual e da re-ligação (religião) ao divino (transcendente). Já nas Escrituras Vedas (Índia), um dos textos mais antigos da humanidade (uns 10.000 anos a.C.), encontramos relatos correspondentes. Conhecemos acerca dos 40 dias dejejum de Moisés no monte Horeb, do profeta Elias e de Cristo no deserto, do jejum de 50 dias de Buda (563-483 a.C.) e de Maomé (570-632 d.C.). Para os maometanos ainda hoje vale a santificação do mês jejunal Ramadã e uma severa norma dietética durante peregrinações de ida e volta à Meca. Um ditado nos países islâmicos diz: “O que o médico não consegue curar será curado no Ramadã”.
Na Antiguidade, os germanos mantinham um dia de jejum por semana; os persas e espartanos zelavam pelo jejum dos guerreiros e os egípcios, segundo Heródoto, purgavam o corpo pelo jejum. Para os indianos, dietas severas eram costume natural e ainda hoje fazem parte integral do Hinduísmo. Mahatma Gandhi (1868-1948) praticava jejuns frequentes e extremamente demorados, usando-os também como pressão política contra a força colonial britânica. Ele declarou várias vezes que o mais importante durante o jejum é uma atitude espiritual adequada, pois sem isso se consegue apenas uma purificação corporal, mas não a mais importante, a espiritual [2].
5. Benefícios do Jejum:
1. Rejuvenescimento - o envelhecimento pode ser impulsionado por uma remodelação epigenômica extensa, que por sua vez pode promover o desenvolvimento de doenças associadas à idade. Como as modificações epigenéticas podem ser modificáveis por mudanças ambientais e exibem imensa plasticidade, elas podem ser usadas para transduzir sinais externos e regular o envelhecimento através da regulação de genes. Tem sido amplamente divulgado que a RC pode promover alterações na expressão gênica e atenuar alterações associadas à idade em muitos organismos [17].
2. Risco Cardiovascular - a Avaliação Abrangente dos Efeitos a Longo Prazo da Redução da Ingestão de Energia ou Estudo CALERIE, estudo randomizado com 220 adultos sem obesidade, com idades entre 21 e 50 anos, reduzindo sua ingestão diária de calorias em 25% – sem faltarem nutrientes essenciais – ou, no outro grupo, comendo o que queriam, por 2 anos [18. 70% dos participantes da CALERIE eram mulheres, e estavam magras ou um pouco acima do peso no início do estudo. Aqueles no grupo de restrição calórica não atingiram seu objetivo de cortar calorias em 25%. Em média, eles nem chegaram à metade do caminho, reduzindo a ingestão de calorias em cerca de 12%. Mesmo assim, os pesquisadores [19] da CALERIE relataram em 2019 que a restrição calórica melhorou significativamente vários fatores de risco cardiometabólicos, incluindo níveis de colesterol, pressão arterial, proteína C-reativa e tolerância à glicose.
3. Outras doenças: estudos pré-clínicos e ensaios clínicos mostraram que o jejum intermitente apresenta benefícios de amplo espectro para muitas condições de saúde, como obesidade, diabetes mellitus, doenças cardiovasculares, cânceres e distúrbios neurológicos [20]. O jejum tem efeitos nos níveis biológico e espiritual, atuando como uma ferramenta de intervenção, prevenção e tratamento de doenças crônicas não transmissíveis e está se tornando cada vez mais popular. Um nível crescente de evidências científicas demonstraram os efeitos benéficos do jejum na saúde humana [47]. Ao aumentar a expressão do mRNA da SIRT1 e XPA, a redução de calorias na forma do jejum segundo F. X. Mayr poderia contribuir para um envelhecimento mais saudável.
O interesse pela aplicação medicinal das várias formas de Jejum medicinal ampliou-se tanto, recentemente, que os especialistas têm defendido que até mesmo os alunos de Medicina devem conhecer o básico de quanto o jejum afeta o metabolismo e de como as células e órgãos respondem adaptativamente a este. Precisam conhecer as principais indicações para o jejum intermitente (obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e cânceres) e como implementar prescrições de jejum intermitente para maximizar seus benefícios a longo prazo. Os médicos podem incorporar prescrições de jejum intermitente para intervenção precoce em pacientes com uma variedade de condições crônicas ou em risco para tais condições, particularmente aquelas associadas a comer demais e sedentarismo [48].
5. E o Jejum chega as UTIs:
Para muitos profissionais encarregados do cuidado ao paciente, a sua
recusa em se alimentar ou mesmo comer muito pouco, na doença aguda, é
angustiante. O problema é que, em parte, isso é fisiológico, fato conhecido
como a anorexia da doença aguda [30]. De fato, os animais selvagens,
quando adoecidos, não comem, mas jejuam, e mascam ervas medicinais.
Para combater o catabolismo da doença crítica, a Terapia
Nutricional (TN) tem sido preconizada, uma vez que a subalimentação
prolongada pode contribuir para o catabolismo [31]. Numerosos estudos
observacionais associaram o aumento da ingestão nutricional com a melhoria do
desfecho de pacientes gravemente enfermos [32,33]. No entanto, uma relação
causal não pode observada, uma vez que a tolerância alimentar se associa
intimamente à gravidade da doença, como em geral uma melhor tolerância
alimentar ocorra em pacientes menos doentes.
Como demonstrado em
uma metanálise recente, nenhum ECR em pacientes criticamente enfermos encontrou
benefício da TN precoce plena, em comparação com restrição calórica [34]. Com
base nestas recente evidência de alto nível, as mais recentes diretrizes
européias de TN em pacientes críticos mudaram da promoção da alimentação
completa precoce para uma alimentação artificial menos generosa na primeira
semana da doença crítica [35].
A falta de benefício
da TN precoce plena nos ECRs pode ser explicada por uma supressão contínua da
resposta de jejum. Embora o jejum tenha sido tradicionalmente considerado um
processo negativo em doenças críticas [35]: Guideline europeu de NP em
pacientes críticos 2009, uma dieta normal envolve alteração dos períodos de
alimentação com intervalos de jejum, e ao jejum foram atribuídos efeitos na
promoção da saúde.
Evidências recentes sugerem que a falta de benefício da alimentação
completa precoce em grandes ensaios de UTI pode ser explicada pelo método de
fornecimento de nutrição artificial (ou seja, continuamente). Realmente
intervalos alternados de alimentação/jejum podem ser superiores em comparação
com a oferta energética contínua – aplicada na maioria dos ECRs [36].
Potenciais mecanismos protetores da alimentação intermitente incluem a ativação
intermitente da resposta ao jejum, que pode promover recuperação celular via
estimulação da autofagia e cetogênese [37,38].
De fato, as dietas que induzem uma resposta prolongada ao jejum, como
dietas que imitam o jejum ou dietas com restrição calórica, são protetoras
contra doenças relacionadas à idade, aumentam a longevidade em modelos animais
e melhoram os fatores de risco de doenças relacionadas à idade em humanos
[39,40].
Isso sugere que as vias ativadas pelo jejum são importantes para manter
a integridade e a função celular normal. Em grandes ECRs de TN em pacientes
críticos, no entanto, a alimentação artificial sempre foi fornecida de maneira
contínua [41-45], suprimindo continuamente qualquer resposta do jejum.
Parte dos efeitos benéficos do jejum na saúde normal são mediados pela
ativação da macroautofagia [39]. A macroautofagia, doravante referida como
autofagia, é um processo celular pelo qual o conteúdo citoplasmático é digerido
no lisossomo após sua entrega ao lisossomo em uma vesícula intermediária
chamada autofagossomo [39].
6. O sofrimento segundo os pensadores clássicos:
Cuidar dos que sofrem, especialmente os mais fragilizados e incapazes, aparece na história com o Cristianismo [21]. A ideia de ter compaixão com os estranhos, na idade antiga é estranha e não apenas estranha mas para muitos, indecente, como os teóricos e filósofos do paganismo. Platão, em sua obra A República diz: "A Medicina e a jurisprudência cuidarão apenas dos cidadãos bem formados de corpo e alma, deixando morrer os que forem corporalmente defeituosos". Seneca diz: "Nós sufocamos os pequenos monstros, afogamos até mesmo as crianças quando nascem defeituosas e anormais. Não é a cólera e sim a razão que nos convida a separar os elementos sãos dos elementos nocivos ". A ideia de que elementos fracos, débeis, idosos, de alguma maneira adoentados poderiam ser sacrificados em prol da saúde da "polis", da coletividade era onipresente inclusive em civilizações indígenas, isoladas. Essa visão cristã antisacrificial da vida trouxe um conceito aos pensadores pagãos de que seria uma religião débil, enfraquecendo o estado e, por isso muitos responsabilizaram os cristãos pela queda do Império Romano.
A premissa pagã de que a vida humana não é sagrada baseia-se no conceito de que o sofrimento seria totalmente imanente e quase antinatural como se, ao sofrermos, a vida perdesse totalmente o seu sentido. O sentido totalmente imanente do sofrimento. Como se o estado natural da vida humana fosse a ausência do sofrimento. Toda a ideia que o sofrimento e o sacrifício tenham um sentido transcendente e possa significar redenção é totalmente ausente neste tipo de pensamento. A segunda premissa seria a ideia de que a vida seria quase um acidente natural e que se encerra absolutamente com a extinção da matéria, com a morte física. Isso, é claro, contraria totalmente a escatologia cristã e as implicações antropológicas do cristianismo. Disse a filósofa Simone Weil (1909-1943): "Eu não sou católica, porém considero os princípios cristãos como algo que a pessoa não pode renunciar sem se aviltar".
Os santos católicas jejuavam, sacrificando-se. Isso seria então um absurdo, desnecessário segundo o pensamento pagão e pós moderno. Essa ideia de que o sacrifício pode ser falado de forma totalmente banalizada vem desde muito tempo, mesmo antes da era cristã.
Na obra Diálogo de Górgias (22), de Platão, temos a discussão de Sócrates com o sofista Cálicles: "o certo era o bem sucedido", segundo este último. Num dos trechos do diálogo, Cálicles diz que "a própria natureza se incumbe de provar que é justo ter mais o indivíduo de maior nobreza do que o vilão e o mais forte do que o mais fraco. Com abundância de exemplos, a natureza mostra que as coisas se passam desse modo e que tanto entre os animais e entre os homens, nas cidades e em todas as raças, manda a justiça que os mais fortes dominem os inferiores e tenham mais do que eles", como se fosse um contínuo entre os seres humanos e os animais e que o homem não seria um ser criado por transcendência divina.
Observe-se que isso foi escrito há mais de 4.000 anos atrás prefigurando a ideia da moralidade materialista dos tempo modernos que condenaria uma freira que se sacrifique e se contenha por amor do Reino de Deus, sendo casta e jejuando.
Sócrates então contrapõe Cálicles defendendo que cada homem comandar a si próprio e ter auto controle. Cálicles responde com ironia, fazendo elogio da intemperança e o livre exercício das paixões:
_"Como você é engraçadinho, Sócrates. Aos simplórios é que dá o nome de temperantes? O belo e justo por natureza, digo sem o menor constrangimento que, quem quiser viver de verdade, longe de reprimir os apetites, terá que permitir que se expandam o quanto possível e quando se encontrarem no auge ser capaz de alimentá-los com denodo e inteligência e de satisfazer a todos eles na medida em que forem se manifestando". Ele, antecipa, assim, o conceito da tibieza do cristianismo que, obviamente ainda não existia nessa época. E Cálicles continua:
_"Mas isso, justamente como penso, não é para todos. Eis porque a maioria dos homens censura as pessoas capazes de viver assim, por se envergonharem da própria debilidade que procuram esconder e qualificam de feia a intemperança. O certo, Sócrates, é que a verdade que tu presumes procurar é simplesmente isso: o luxo, a intemperança e a liberdade que, quando devidamente amparados, é o que constituem o certo, a virtude e a felicidade. Tudo o mais, todos esses enfeites e convenções contrárias a natureza não passam de palavrórios sem valor. Sócrates então questiona que não pode ser apenas o poder que arbitra a moralidade e a justiça. Cálicles argumenta:
_"Agora mesmo se alguém te detivesse ou a algum dos seus e te metesse na prisão sob o pretexto de algum crime que não houvésseis cometido terias que confessar que não saberíeis como reagir, mas ficaríeis com vertigens e de boca aberta sem achares o que dizer no instante de te apresentares ao tribunal. E por mais insignificante e desprezível fosse o teu acusador virias a perder a vida se lhe aprouvesse pedir a pena capital. Ora, que sabedoria pode haver numa arte, Sócrates, que se apodera de um indivíduo bem dotado e o deixa inferior, incapaz não só de defender-se e de livrar-se a si mesmo de perigos como a qualquer outra pessoa. Um individuo, nessas condições, se me permite uma expressão um tanto grosseira, é lícito esbofeteá-lo impunemente. Por isso, atende-me, caro amigo. Pare com estas demonstrações e cultiva a bela ciência da vida prática para adquirires reputações de sábio deixando aos outros essas sutilezas que mereçam ser chamadas tolices. Sócrates encerra o Diálogo com o Mito grego do Julgamento dos Mortos:
_"Quando chegares a frente do teu juiz, ó filho de Egina, e ele puser a mão em ti e o levares para o julgamento, ficarás de boca aberta e com vertigens tal como eu aqui, sendo possível mesmo que alguém o esbofeteie ignominiosamente e te infrinja toda a sorte de ultrajes. Aceita, portanto o meu conselho e acompanha-me para onde, uma vez chegado, serás feliz, assim na vida como na morte conforme nosso ordenamento o certifica. Aceitemos essa norma da vida e exultemos os outros a fazer o mesmo. Não aquela em que confias e me aconselhas a seguir. Pois essa sua proposta, Cálicles, carece de valor".
A pergunta inicial, centro deste diálogo, era a pergunta tácita: O que é pior? Você cometer ou sofrer injustiça? Para Cálicles o pior seria sofrer injustiça, ou seja, não importando os meios, o bom era se dar bem. Já, Sócrates, argumenta que sofrendo injustiça, isso poderia ser sublimado, mas cometendo-a ter-se-ia uma paga no juízo final. Com isso Sócrates nos exorta, já naquela época, a seguirmos uma lógica sacrifical que com o Cristianismo tem o seu ápice na crucifixação de Jesus. Esse diálogo diz muito de vários dilemas contemporâneos. Esse diálogo noz faz lembrar do deboche dos soldados romanos: 'Salvou a tantos. Salva-te agora e desces da cruz". Como Cristo, Sócrates resiste a esta tentação diabólica de reagir com a mesma lógica que com a sofrimento a ele infligido, com a lógica terrena do poder.
Se avaliamos os pensadores modernos, pelo menos em Machiavel, temos que essa defesa do sacrifício e a noção de que o catolicismo é uma religião débil, que causa fraqueza na sociedade, nos traz a Rousseau que dizia que o maior problema do Cristianismo era ser, antes de tudo, antisocial [23].
Para que de fato vigore a religião civil como uma religião estatal, Rousseau critica outras religiões mas, sobretudo, a sua crítica se concentra no Cristianismo que aos seus olhos, não possui base de uma religião nacional. Na sua opinião, os cristãos se preocupam somente com a pátria celeste, com a vida futura, esquecendo-se de viver a pátria terrestre pois “o essencial é atingir o paraíso [...]” (Rousseau, 2013, p. 222). Por conseguinte, o Cristianismo seria uma religião que leva o homem a amar o céu deixando de lado o amor às coisas terrenas, do Estado. Devido a isso, esta religião não tem os moldes de uma religião voltada ao Estado, mas somente para as coisas do céu. Por isso, elas não se dispõem a lutarem e muito menos morrerem pelo Estado onde vivem".
Segundo Machiavel [24], o Cristianismo só santifica os "fracos" e os humildes, os homens afeitos a vida contemplativa e não a vida ativa. Para ela, o bem supremo é a humildade e o desprezo aos bens do mundo. Já os pagãos davam a máxima importância ao vigor do corpo, a tudo que levasse os homens a se tornarem robustos e corajosos. Nicolau Maquiavel defende que o poder, a honra e a glória são bens que devem ser perseguidos e valorizados, ao contrário da ideia restrita de virtude cristã angelical (livre de tentações). O homem de virtú poderia conseguir bens na terra e deveria lutar por isso, sem ficar almejando recompensas exclusivamente celestiais. A moral não poderia ser um limitador da prática política. O pensamento político de Maquiavel se apoia no conceito de que a estabilidade da sociedade e do governo precisam ser conseguidos a todo o custo. Já os pagãos davam a máxima importância a grandeza da alma, ao vigor do corpo e tudo que contribuísse para formar homens robustos e corajosos. Se a Religião Cristã nos recomenda hoje que sejamos fortes, é para resistir aos males e não para excitar-nos a grandes empreendimentos.
Conforme Nietzche [25] "Pelo fato de que o Cristianismo empurra para o primeiro plano a doutrina do desinteresse e do amor, ele ainda não postulou, de modo algum o interesse da espécie como um valor mais alto que o interesse individual (…) O indivíduo isolado foi tomado, com o cristianismo, de modo tão importante, posto de modo tão absoluto, que não se podia mais sacrificá-lo: mas a espécie só existe por meio do sacrifício humano (…) Todas as ‘almas’ seriam iguais perante Deus: mas essa é justamente a mais perigosa de todas as possíveis valorações! Equiparam-se os indivíduos, e assim põe-se em dúvida a espécie, favorece-se uma práxis que chega a ser a ruína da espécie: o Cristianismo é o contra princípio oposto à seleção natural. Se o degenerado e doente (‘o cristão’) deve ter tanto valor quanto o saudável (‘o pagão’), ou mesmo ainda mais segundo o parecer de Pascal sobre saúde e doença, então o curso natural de desenvolvimento acha-se invertido, e a não natureza tornou-se lei (…) Esse amor universal aos homens é, na prática, a prerrogativa de todos os sofredores, malsucedidos e degenerados: ela, de fato, arruinou e amorteceu a força, a responsabilidade, o alto dever de sacrificar homens (...) A espécie tem necessidade do ocaso dos falhados, fracos e degenerados: mas o Cristianismo recorre justamente a eles como potência conservadora, e esta faz aumentar ainda mais aquele instinto dos fracos, em si mesmo já tão potente, de se pouparem, se conservarem e de se manterem reciprocamente".
7. O Sacrifício segundo os Santos:
Segundo Santo Afonso Maria de Ligório, "Jesus, ao nascer, foi deitado na dura palha da manjedoura. Mas porque é que Maria, que tanto tinha suspirado pelo nascimento do Filho, que tanto o amava, não o guardou nos braços em vez de o expor a tão grande sofrimento num leito deveras duro? É um mistério, diz Santo Thomas de Vilanova: Neque illum tali loco posuisset, nisi magnum aliquod mysterium ageretur. Deste mistério há diversas explicações, mas entre todas mais me agrada a de São Pedro Damião. Jesus recém-nascido quis ser posto sobre a palha para nos ensinar a mortificação dos sentidos: Legem martyrii praefigurabat. O mundo havia-se perdido pelas satisfações dos sentidos; por elas se havia perdido Adão, e depois dele um sem número dos seus descendentes até o dia de hoje. O Verbo eterno desceu do céu para nos ensinar o amor dos sofrimentos, e começou a no-lo ensinar desde criança, escolhendo para si os sofrimentos mais ásperos que uma criança pode suportar. — Foi, pois, ele mesmo quem inspirou a Maria, que em vez de o guardar nos seus tenros braços, o pusesse sobre aquele leito tão duro, afim de sentir mais o frio da gruta e as picadas da rude palha" [26].
Um dos santos contemporâneos desta época de pós modernidade, fundador da ordem Opus Dei, São José Maria Escrivá, pondera: "Esta é a verdade do cristão: entrega e amor - amor a Deus e, por Ele, ao próximo -, fundamentados no sacrifício. O amor saboroso, que torna feliz a alma, está baseado na dor: não é possível amor sem renúncia".
E ele continua: "Motivos para a penitência? Desagravo, reparação, petição, ação de graças; meio para progredir...; por ti, por mim, pelos outros, pela tua família, pelo teu país, pela Igreja... E mil motivos mais. A mortificação é a ponte levadiça, que nos permite a entrada no castelo da oração [27].
Não contrariaste alguma vez, em alguma coisa, os teus gostos, os teus caprichos? - Olha que Quem te pede isso está pregado numa Cruz - sofrendo em todos os seus sentidos e potências -, e uma coroa de espinhos cobre a sua cabeça... por ti.
A vocação cristã é vocação de sacrifício, de penitência, de expiação. Temos que reparar por nossos pecados - quantas vezes não teremos virado a cara para não vermos Deus! - e por todos os pecados dos homens. Temos que seguir de perto os passos de Cristo: trazendo sempre em nosso corpo a mortificação, a abnegação de Cristo, seu abatimento na Cruz, para que também em nossos corpos se manifeste a vida de Jesus. O nosso caminho é de imolação, e essa renúncia nos trará o gaudium cum pace, a alegria e a paz.
A mortificação é o sal da nossa vida. E a melhor mortificação é a que combate - em pequenos detalhes, durante o dia todo - a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida. Mortificações que não mortifiquem os outros, que nos tornem mais delicados, mais compreensivos, mais abertos a todos. Não seremos mortificados se formos suscetíveis, se estivermos preocupados apenas com os nossos egoísmos, se esmagarmos os outros, se não nos soubermos privar do supérfluo e, às vezes, do necessário; se nos entristecermos quando as coisas não correm como tínhamos previsto. Pelo contrário, seremos mortificados se nos soubermos fazer tudo para todos,para salvar a todos. "Temos que andar sem medo á vida e sem medo a morte, sem nos esquivarmos a qualquer custo a dor, que para um cristão é sempre meio de purificação e ocasião de amar deveras os seus irmãos, aproveitando as mil circunstâncias da vida corrente"[28].
“Se podes aguentar o jejum, fazes muito bem em
jejuar um pouco mais do que a Igreja obriga, porque o jejum, além de elevar o
espírito a Deus, reprime a sensualidade, facilita as virtudes e aumenta os
merecimentos. Grande proveito nos traz em nos mantendo no estado de mortificar
a gula e de sujeitar o apetite sensual e o corpo as leis do espírito; e, mesmo
que não se jejue muito, o inimigo tem grande medo daqueles que conhece que
sabem jejuar” [49].
São Cipriano, santo do início da Cristandade disse em A promessa após a morte:
"O Senhor desejou que nos regozijássemos e saltássemos de alegria nas perseguições. Quando as perseguições ocorrem as coroas da fé são concedidas, os soldados de Deus são testados e o Céu é aberto aos mártires, pois não nos alistamos para a guerra a fim de pensarmos somente na paz e nos retirarmos da batalha. Porém, nessa intensa guerra de perseguição, o Senhor adentrou primeiro. Ele é o Mestre da humildade, da resistência e do sofrimento. O que Jesus nos diz para fazer, Ele fez primeiro e o que Ele nos encoraja a sofrer, Ele sofreu primeiro por nós. Amado, observe que Ele sozinho carregou todo o julgamento do Pai e virá para julgar. Jesus já declarou o seu julgamento e reconhecimento futuros. Ele predisse e testificou que confessará diante de seu Pai aqueles que o confessarem e negará aqueles que o negarem. Se nós pudéssemos escapar da morte, seria razoável que atendessemos, porém por ser necessário que o homem mortal morra, devemos abraçar a ocasião como oriunda da promessa de Deus para nos recompensar, no final com a vida eterna. Não devemos temer a morte, desde que tenhamos a certeza de que seremos coroados quando formos mortos".
8. Discussão:
A maioria dos artigos científicos que abordam a anorexia das Santas Católicas possuem um viés preconceituoso e reducionista considerando o sacrifício e o sofrimento como algo ruim, desnecessário, exatamente por carecerem do entendimento teológico da ascese e da vida eterna.
O sofrimento é algo inerente a condição humana: “Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas coragem. Eu venci o mundo - João 16:33
Sofrimento que nos chega deliberada e involuntariamente. Deliberada quando somos parte da causa: nossos erros, pecados e que trazem seu preço como diz São Paulo em sua carta aos Romanos: "o salário do pecado é a morte" - Rm 6:23. Involuntariamente quando, sem pé nem cabeça, nos afligem as vezes por injustiças, infortúnios, acidentes.
Se a vida é um “vale de lágrimas” por que buscar mais problemas como as religiosas dos Mosteiros? A Mortificação e as penitências voluntárias, fazem parte da tradição da Igreja e servem para dominar os instintos, já que “o espírito é forte, mas a carne é fraca” - Mateus 26:41.
Veja o que o jejum consegue. Ele cura as doenças, resseca os fluidos supérfluos do corpo, expulsa os espíritos maus, afasta os pensamentos errados, dá maior lucidez a mente, purifica o coração, santifica o corpo e enfim conduz o homem ao trono de Deus. Uma grande força é o jejum e proporciona grandes sucessos." Santo Atanásio, bispo de Alexandria (séc. IV)
Dotados de razão e vontade, podemos escolher o que fazer e essa escolha é definidora do que seremos. Diferentemente dos animais que agem por instinto. Assim, a “contenção por amor ao reino de Deus”, pode significar um ganho lá na frente e não necessariamente uma perda. Claro que isso parece loucura ao mundo paganizado que busca o prazer e foge da dor. Como nós diz São Paulo na sua carta aos Coríntios: “os judeus pedem sinais milagrosos, e os gregos procuram sabedoria. Nos, porém, pregamos Cristo crucificado, o qual, de fato, é escândalo para os judeus e loucura para os gentios, mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus. Porque a loucura de Deus é mais sábia que a sabedoria humana, e a fraqueza de Deus é mais forte que a força do homem”.
Disse Hipócrates, o Pai da Medicina: "que teu remédio seja teu alimento; que teu alimento seja teu remédio. Cure sua moléstia pelo jejum mais do que pelo medicamento
Para Cristo, só há um caminho: “se queres viver, tome a tua cruz de cada dia, não olhes para traz, e me siga” - Lucas 9:23.
Contudo, o sofrimento da clausura, daqueles buscam vencer a “concupiscência da carne, do olhar e a soberba da vida”- 1Jo 2:16, não deve ser pesada, um fardo. Jesus disse: “vinde a mim todos que estais cansados e fatigados pelo vosso fardo que Eu vos aliviarei. Tomai o meu jugo, pois ele é leve e suave” - Mateus 11:28-30. E deve ser sincera: "Quando jejuarem, não mostrem uma aparência triste como os hipócritas, pois eles mudam a aparência do rosto a fim de que os outros vejam que eles estão jejuando. Eu digo verdadeiramente que eles já receberam sua plena recompensa".
Vencendo o pecado, pela Mortificação, por uma decidida decisão em morrer para o mundo, fazemos a vontade de Deus. Isso porque cremos em Deus e como ensina Olavo de Carvalho, “a existência de Deus não é matéria de Fé, mas de prova racional”. Cremos que por Ele fomos criados, e sendo meras criaturas não temos direito de determinar como deve ser nossa vida. O Criador assim determinou e assim que funciona, como por exemplo, as leis da natureza. Do contrário, pelo caminho da concupiscência, do pecado, não vai dar certo.
Finalmente, para quem crê, o mais importante não é aqui, mas a Vida Eterna: “Todavia, como está escrito na 1ª Carta de São Paulo aos Corinthios: "Olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu, mente nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam" -
1 Coríntios 2:9.
E como disse Santa Teresinha: “eu mereci esse sofrimento”. Imagina que na terra não existem senão Deus e tu. Assim te será mais fácil sofrer as mortificações, as humilhações... E, por fim, farás as coisas que Deus quer e como Ele as quer".
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